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Estudos para uma educação antirracista

O edital Equidade Racial na Educação Básica incentivou a produção de nove artigos científicos e apoiou 15 projetos de pesquisa dedicados ao tema


Mais de 300 professores, de todos os campi do IFSP, foram consultados na primeira etapa do estudo da pedagoga Caroline Jango, diretora do Instituto Federal de São Paulo campus Hortolândia, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) e pesquisadora aprovada para o edital Equidade Racial na Educação Básica

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador (BA)

Financiar pesquisas e reconhecer artigos científicos que apontem soluções para a redução das desigualdades étnico-raciais e de gênero nas escolas. Essa foi a finalidade do edital Equidade Racial na Educação Básica, lançado em abril de 2020. A iniciativa do Itaú Social contou com parceria do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), para a realização, e com o apoio de UNICEF, Instituto Unibanco e Fundação Tide Setubal.

Ao todo, foram recebidas 863 inscrições de artigos científicos e projetos de pesquisa aplicada. O objetivo de identificar e apoiar pesquisas aplicadas e selecionar artigos que apontem soluções para os desafios da construção da equidade racial na educação básica no Brasil foi atingido e pode ser conferido, por exemplo, por meio dos nove artigos selecionados, reunidos na publicação Equidade Racial na Educação Básica.

Saiba mais sobre os legados da iniciativa:

#antirracismo
O pedagogo Vinícius Pereira é autor de um dos nove artigos publicados por meio do edital. Ele contou sua experiência com a promoção da reflexão sobre questões raciais na Escola Municipal Professora Wanda Gomes Soares, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. A instituição atende estudantes da educação infantil ao 5º ano. “O racismo não é um problema exclusivo da população negra. Foi bom incluir os alunos brancos para que eles pensassem em que medida influenciam nessas relações e como podem pensar em outras atitudes possíveis”, disse o educador, em entrevista ao Notícias da Educação.

Algumas das pesquisas aprovadas pautam a formação docente, como o projeto inscrito por Caroline Jango, diretora do Instituto Federal de São Paulo campus Hortolândia. O estudo foi dividido em três etapas e ouviu 319 docentes de todos os campi da instituição. Já Priscila da Silva investigou desigualdades de raça e de gênero entre professores universitários. Ela concluiu que “a ausência de diversidade tem grande impacto na formação da intelectualidade do nosso país, pois interfere na escolha das pesquisas que são desenvolvidas, em quem ganha bolsa de pesquisa e em quais temas são estudados”.

De nada adianta, entretanto, se reflexões como essa estiverem restritas aos espaços formativos. O pesquisador João Alves entende que a comunidade também precisa pressionar as autoridades em busca de políticas públicas que promovam a equidade racial. No artigo “O ensino médio na Amazônia ‘negra’: indicadores e perspectivas de alunos negros sobre o mercado de trabalho no Amapá”, ele pretendeu, dentre outros fins, investigar como a identidade racial dos alunos tem repercutido na inserção no mercado de trabalho e quais as contribuições da escola nesse contexto. 

Além de pesquisas e artigos, o edital incentivou o desenvolvimento de produtos alinhados com o objetivo da iniciativa. O trabalho de Cicera Nunes, por exemplo, teve como resultados o livro Educação das relações étnico-raciais no Cariri cearense, o aplicativo Educaya e o documentário Sankofa Gesso. “O filme busca fazer uma imersão na história da comunidade do Gesso e fortalecer a relação de pertencimento dentro do universo de matrizes africanas e indígenas. O reconhecimento acontece a partir das histórias vividas na região, das práticas de sociabilidade, dos saberes ancestrais, ressignificados e reelaborados pelas pessoas, sejam elas pessoas mais velhas ou crianças”, explica.

#infância
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiarem, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” A frase é de Nelson Mandela, mas foi citada por Fátima Santana, coordenadora pedagógica do Centro Municipal de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos, escola com perspectiva antirracista em Lauro de Freitas (BA). Seu projeto de pesquisa resultou no livro O sonho de Ayo, escrito e ilustrado por 13 crianças.

Literatura infantil também foi tema da pesquisa feita por Sara Pereira. Para ela, essa pode ser uma importante aliada na formação de pessoas com letramento racial, desde cedo. “A primeira infância é crucial quando se fala na formação identitária e de caráter. Também queria entender como as crianças se reconhecem por meio dos livros.” O artigo “‘Eu sô peta, tenho cacho, sô linda, ó’: o que dizem as crianças sobre a literatura infantil de temática da cultura africana e afro-brasileira” analisou como crianças de três e de quatro anos experienciam a contação de histórias de temática da cultura africana e afro-brasileira.

O projeto “LitERÊtura: formação em literatura infantil e juvenil com temática da cultura africana e afro-brasileira” apresentou como resultados um artigo e dois livros. A publicação Literatura infantil e com temática da cultura africana e afro-brasileira em foco indica livros sobre cultura afro-brasileira que podem ser usados em sala de aula. Todos os materiais estão disponíveis gratuitamente no acervo digital Anansi – Observatório da Equidade Racial na Educação Básica.

Falar de educação infantil é falar de infância. Logo, também é falar de brincadeira. “Brincar e ter acesso ao letramento são igualmente importantes e colaboram para o desenvolvimento integral da criança. Não temos motivos, portanto, para abrir mão da brincadeira na educação infantil. Ela é um importante lugar de aprendizagem”, afirma Mighian Danae, responsável pela pesquisa que culminou no livro digital Brincar e descolonizar: educar para a equidade. A obra lista brincadeiras aplicadas em escolas quilombolas de Santo Amaro e de São Francisco do Conde, na Bahia.

#educação
O Rio Grande do Sul não é o primeiro estado que vem à mente ao se pensar em populações negras. De acordo com a Pnad Contínua, apenas 20,5% dos habitantes se identificavam como negros em 2019, contra 79% que se diziam brancos. Na Bahia, por exemplo, quase 81% das autodeclarações de 2022 foram de pretos e pardos. O astrofísico, escritor e professor Alan Brito faz questão de contextualizar esses dados. “Há, em Porto Alegre, bairros inteiros que, em séculos passados, eram territórios negros, mas que sofreram, no século 20, a violência do racismo, sendo considerados, desde então, bairros brancos.”

Ele é autor da pesquisa aplicada “Zumbi-Dandara dos Palmares: desafios estruturais e pedagógicos da educação escolar quilombola para a promoção da equidade racial no Brasil do século 21”, contemplada pelo edital Equidade Racial na Educação Básica. Como produtos, o projeto desenvolveu um jogo, um documentário e dois livros, além da publicação Re-Existências Negras: Caderno de Memória. “É dever da escola antirracista, comprometida com a transformação social, elaborar outros imaginários sociais e simbólicos a respeito da presença e da ausência negra, sem, no entanto, esquecer a história, por mais triste e dura que seja”, defende o educador.

O livro Construindo uma educação antirracista — reflexões, afetos e experiências, de Neli Edite dos Santos, também se propõe a debater o papel da escola na busca pela equidade racial. “As leitoras e os leitores encontrarão reflexões e relatos tecidos não somente com rigor científico, mas com afeto. Há possibilidades de práticas escolares com crianças e adolescentes, avaliações sobre os desafios das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, relatos sobre formação de docentes em âmbitos de uma escola e de redes municipais e estaduais, incluindo a desafiante educação quilombola”, resume a autora. A publicação reúne textos escritos por docentes, pesquisadores e representantes das comunidades quilombolas.

Outros produtos apoiados pelo edital que pautam a escola são a cartilha “Porongando práticas antirracistas em escolas quilombolas”, o documentário Epistemologias antirracistas e projetos políticos pedagógicos, a coletânea “Educação para as relações étnicos-raciais na escola: por uma educação antirracista, inclusiva e multiétnica” e a revista virtual Africanidades.

#inovação
“Podemos construir um olhar crítico sobre a história do Brasil sem jogar na cara do aluno negro que ele seria o corpo açoitado, caso vivesse naquele período.” Louise Marinho, historiadora, se refere às imagens utilizadas em livros didáticos para ilustrar o período escravista. Comumente, apresentam pessoas negras em posição de submissão, ou até sendo torturadas. Com a também historiadora Milena da Cruz, ela tem buscado alternativas para tratar do tema sem “re-violentar” os estudantes negros nem reforçar estereótipos sobre essa população.

Elas narram a experiência no artigo científico “Olhares opositores e um futuro negro na educação: possibilidades para uma prática antirracista a partir de novos regimes de visualidade”. Na tentativa de fazerem diferente, as professoras levam aos seus estudantes obras de artistas visuais negros, como Rosana Paulino, Sidney do Amaral e Yhuri Cruz. “A ideia é dizer que isso aconteceu, é violento e estruturante na nossa sociedade, mas o corpo negro tem o direito de ter outros referenciais visuais e de se pensar em outro lugar que não seja apenas o de descendente de pessoas escravizadas.”

Em Fortaleza, a professora Nayane Pinheiro encontrou uma outra forma de subverter os referenciais tidos como padrão nas escolas brasileiras. Ela passou a promover encontros literários com alunos do 2º ano do ensino médio, em que a proposta era ler e debater obras escritas por mulheres negras. Mornas eram as noites, da escritora cabo-verdiana Dina Salústio, estava na lista. “Sempre falo com os alunos sobre a importância de terem contato com as literaturas africanas de língua portuguesa. Por que ainda não estão presentes nos livros didáticos?”, questiona. No artigo “O quilombismo na literatura africana e afro-brasileira: uma perspectiva identitária na educação escolar”, a educadora detalha a sua experiência com o grupo.

O artigo “O ensino da história local em uma escola quilombola no município de Horizonte (CE)”, de Geimison de Lima, investigou de que forma a história e as culturas afro-brasileira e africana eram abordadas: “Tentei imergir na comunidade, escutar as vozes que durante muito tempo foram silenciadas e transcrever aquelas memórias, mas é importante que os materiais didáticos sejam construídos a partir dos moldes de representação que esses povos manifestam”. As doutoras em educação Viviane Luiz e Márcia Américo também tiveram como ponto de partida uma experiência com educação escolar quilombola ao produzir o artigo “Literatura negra feminista: uma proposta de enfrentamento do sexismo e do racismo epistemológico desde a infância”.

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