

Por Afonso Capelas Jr., Rede Galápagos, Porto Seguro (BA)
Toda vez que uma kombi multicolorida estaciona na frente das casas de dezenas de jovens alunos da cidade de Tatuí, a 150 quilômetros da capital paulista, grandes sorrisos são abertos, pois eles sabem que chegou o melhor momento do dia. São alunos que fazem parte do projeto Apae Itinerante – Integrando e Levando Educação a Todos. No início da pandemia da Covid-19, a instituição criou o projeto para, literalmente, levar a escola dentro da kombi até crianças e adolescentes dos 6 aos 17 anos que não estavam frequentando aulas presenciais. São jovens com deficiência intelectual (DI), transtorno do espectro autista (TEA), paralisia cerebral (PC) e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
“Assim que eles visualizam a kombi, ficam empolgados com as cores e a arte que as convidam a participar das atividades. Às vezes chegam não acreditando em seu potencial durante as tarefas, mas quando conseguem fazê-las ficam felizes e sempre perguntam quando vão participar novamente”, resume Caroline Alvim de Almeida, assistente social e coordenadora do projeto Apae Itinerante. “Quando o aluno não possui a comunicação por fala conseguimos observar claramente a satisfação em estar participando. Visto que muitos deles têm a vida social resumida à escola, ficam empolgados com as atividades.”
Fundada na cidade em 1976, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) promove e articula ações de defesa e garantia de direitos, prevenção, orientação, prestação de serviços e apoio às pessoas com deficiências e às suas famílias. “Em geral, o perfil dos alunos do Apae Itinerante é o de portador de algum tipo de bloqueio pedagógico, psicológico ou ainda problemas de saúde causados pela pandemia. Também damos prioridade às famílias com vulnerabilidade social”, conta Caroline. A ideia é garantir acesso à educação para os jovens com deficiência que não aderiram à modalidade à distância no período da pandemia ou não possuem recurso tecnológico para acompanhar as atividades. Apoiado pelo edital Fundos da Infância e da Adolescência (FIA), o Apae Itinerante faz parte do programa IR Cidadão, do Itaú Social.
Caminho para novos aprendizados
A coloridíssima e simpática kombi foi projetada para reproduzir uma pequena sala de aula. Compacta, mas muito bem equipada com o necessário para criar um ambiente que ajuda a aprender em meio a atividades divertidas, tem uma mesa com pufes e variadas ferramentas didáticas de estímulo visual. “São materiais de comunicação visual, sensorial e lúdica. Esses instrumentos mudam dependendo do aluno que é atendido no dia”, explica Caroline. Cada aula tem duração de 40 a 60 minutos e é muito estimulante para os jovens. Aos alunos com DI e TEA as atividades pedagógicas são organizadas de acordo com o plano individual — a construção do nome, reconhecimento das letras vogais e consoantes, além da sequência numérica. É usado o material concreto e o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children ou Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits Relacionados à Comunicação, em tradução livre) para auxiliar o aluno dando as pistas necessárias para as atividades propostas. Para crianças e adolescentes com PC, TDAH ou com o sistema cognitivo muito comprometido é oferecida a possibilidade de fazer exercícios sensoriais, como atividades de modelagem, de encaixe, sonoras e de percepção olfativa. “O atendimento é de, em média, 3 a 5 alunos por dia no contraturno, de 15 a 20 famílias a cada semana. Mensalmente o atendimento alcança até 80 famílias.”
O principal objetivo do Apae Itinerante é reforçar, estimular e explorar novas possibilidades de aprendizado na direção da evolução pedagógica e independência do jovem com deficiência. Dessa forma é possível trabalhar o autocuidado e as atividades da vida diária permitindo a chance de inclusão no mercado de trabalho. “No projeto, a função principal é do pedagogo, mas também temos prestado apoio psicológico às famílias, com orientações e encaminhamentos para as redes socioassistencial e de saúde”, relata a coordenadora do projeto. Nessa tarefa cabem atividades como fisioterapia respiratória e motora ao aluno que ainda não está frequentando as aulas por motivos de saúde, fonoaudiologia com orientações aos familiares sobre estímulos de fala e alimentação, além de enfermagem para incentivar e orientar dinâmicas de autocuidado.
O projeto Apae Itinerante foi colocado em prática em fevereiro de 2022, ainda durante o período agudo da pandemia, justamente porque muitos alunos não estavam frequentando as aulas presenciais mesmo já com a desobrigação das medidas de isolamento. “Perto de 30% dos nossos alunos não voltaram às escolas; então iniciamos o projeto fazendo uma busca ativa dos que ainda não haviam retornado”, conta Caroline. “Identificamos que era porque a maioria não estava vacinada. Fizemos orientações de incentivo à vacinação e conseguimos aumentar o índice de retorno presencial de 70% para 90%.” Os atendimentos foram alterados para o contraturno das aulas porque se constatou que os alunos regrediram muito durante a pandemia. “Esse tipo de acompanhamento é importante para resgatar o aprendizado, estimular e explorar os limites aonde cada criança e adolescente pode chegar”, explica a assistente social. Além de levar o professor até os alunos, a entidade acionou profissionais de saúde para atuarem em casos específicos, como os das pessoas da comunidade afetadas por mortes por Covid-19 em suas famílias. “Em fevereiro de 2022 iniciamos os atendimentos psicossociais às famílias que estavam passando por luto com as inúmeras perdas causadas pelo vírus e também levando outros serviços de saúde, como fisioterapia motora e respiratória aos alunos debilitados pela doença, e orientações sobre protocolos de prevenção indicados pela equipe de enfermagem”, diz Caroline.
Visitas que fazem diferença
A kombi então começou a levar a sala de aula até os alunos. Pedagogos fizeram um pequeno estudo de caso inicial com os especialistas e iniciaram as primeiras visitas para uma sondagem a fim de identificar os pontos fortes e os que precisam ser estimulados em cada um dos jovens. “São feitas mensalmente 45 visitas dos professores. Conforme a necessidade, a visita também inclui fisioterapeuta e fonoaudióloga. Todas as famílias atendidas pelo projeto têm recebido apoio psicossocial.”
Simone Missias, uma das professoras do Apae Itinerante, reforça que as aulas no veículo do projeto são muito positivas para os alunos, de forma geral, e as atividades superaram as expectativas de todos. “Nossos alunos contam os dias e as horas, normalmente não querem sair da kombi. Em quase 100% dos casos foi possível realizar as atividades com tranquilidade e muita facilidade, graças ao interesse dos jovens.” Por sua vez, o trabalho dentro do projeto também é gratificante para a própria professora Simone. Ter contato com as famílias, fazer o intercâmbio entre a instituição e o lar dessas pessoas, conhecer a rotina do aluno fora da escola, entender as expectativas dos pais sobre o progresso do aluno e a realidade no contexto em que estão inseridos, além dos resultados, tudo isso faz com que a docente se sinta realizada. “Sem dúvida, é minha experiência profissional mais impactante até agora. Ter o apoio da equipe de técnicos especializados também tem sido importante para as famílias e os alunos, uma vez que, dependendo das barreiras decorrentes da deficiência, o trabalho pedagógico acaba sendo, em alguma medida, comprometido.”
Para os alunos com DI e TEA as atividades pedagógicas são organizadas de acordo com o plano individual, como a construção do próprio nome e da sequência numérica, além do reconhecimento das letras vogais e consoantes. Para isso é utilizado material concreto, além do método TEACCH, para ajudar o aluno com as pistas necessárias para realização das atividades. Aos alunos com PC, TDAH ou com o sistema cognitivo muito comprometido são feitas atividades sensoriais de modelagem, encaixe, sonoras e de percepção olfativa.
Alternativas de inclusão
A equipe técnica da instituição assistencial é imprescindível para o trabalho pedagógico na kombi do Apae Itinerante. Como no caso de Ronald Gonçales, de 15 anos, que não conseguia mais escovar os dentes em decorrência do autismo. Enfermeiras propuseram atividades de autocuidado juntamente com a professora Simone. Elas utilizaram comunicação alternativa com ilustrações do passo a passo da escovação colado com velcro para que o próprio aluno construísse todo o processo de escovação. “Assim, Ronald foi reaprendendo a escovar os dentes com o auxílio de uma boca artificial. Em seguida, foi orientado a seguir o passo a passo até que conseguiu fazer a escovação na própria boca. Hoje ele consegue escovar seus dentes em casa”, anima-se a professora.
A mãe de Ronald, Márcia Gonçales, reconhece que seu filho evoluiu bastante durante o mês em que a kombi do Apae Itinerante esteve na porta de sua casa e deseja que o projeto se estenda para que a evolução de seu filho tenha sequência. “Ronald melhorou muito com as orientações das profissionais durante as cinco aulas na kombi. O trabalho da Apae ajudou em todos os sentidos. Ronald também tem frequentado a piscina da instituição e é muito motivador para ele. Mas acho que a kombi do Apae Itinerante precisa vir mais vezes para que os jovens continuem evoluindo.”
Caroline Alvim, coordenadora do projeto, tem planos para o futuro. “Gostaríamos de continuar com o projeto itinerante de forma vitalícia. Também temos pensado em outros projetos, incluindo a educação, visto que descobrimos alguns materiais alternativos, de extrema importância para a evolução de nossos alunos, em especial os autistas. Os projetos envolveriam o método TEACCH e outras comunicações alternativas táteis, com visibilidade lúdica e sensorial”, prevê.
Saiba mais
- IR Cidadão
- FÁBIO RIBAS — Cidadania tributária
- ISA GUARÁ — Os conselhos de direitos e a infância na pauta pública
- Um olhar mais atencioso
- Juntos por mais valor à vida
- Moldando o futuro
- Cultivo de cidadania