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Letramento musical

Na Paraíba, iniciativa utiliza música e poesia para alfabetizar estudantes com dificuldades de aprendizagem


Metodologia utiliza elementos que fazem parte do cotidiano das crianças e sempre aborda conceitos relacionados à cidadania. Foto: Tanieli Diniz

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador (BA)

Uma cidade localizada na região da Normandia, na França, e outra no estado da Paraíba, Brasil, levam o mesmo nome. Bayeux (lê-se baiê), na região metropolitana de João Pessoa, foi batizada assim em referência ao município francês, o primeiro da região a ser libertado dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A homenagem foi sugerida pelo notório paraibano Assis Chateaubriand, ainda na década de 1940, e acatada pelo governador do estado à época.

A cidade brasileira cresceu e já tem mais de 100 mil habitantes. É em Bayeux que fica o Aeroporto Internacional Presidente Castro Pinto, o principal da Paraíba. O município evoluiu e deixou de ter o status de “cidade-dormitório” dos trabalhadores da capital paraibana. Por causa do desenvolvimento tardio, Bayeux carecia de equipamentos de lazer para a população. Ex-vereadora do município, Celia Domiciano relembra seu incômodo. “Mesmo com muitos habitantes, aqui não tinha sala de cinema, dança ou teatro. Havia poucas praças. Era uma cidade com raras opções de diversão e de promoção de direitos que crianças e adolescentes precisam ter.”

Celia é psicóloga e já desenvolvia alguns trabalhos de cunho social no município. Atuava com comunidades ribeirinhas e com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Em 2014, teve a ideia de mobilizar outros atores sociais para fundar uma instituição que promovesse impacto por meio da educação, da cultura e do esporte. Assim surgiu a Aliança Bayeux Franco Brasileira (ABFB), que hoje já atende mais de 600 pessoas na cidade.

No ano passado, a organização foi selecionada pelo Edital FIA (Fundos da Infância e da Adolescência), organizado pelo Itaú Social, com a segunda edição do projeto Alfabetizar Letrando com Poesia e Música. O edital está apoiando 73 iniciativas que promovem ações de garantia do direito à educação, de promoção da vida e saúde, como combate à fome ou de manutenção da saúde mental, e de prevenção da violação de direitos. Os projetos apoiados devem ser executados ao longo do ano de 2023.

A criação da ABFB proporcionou a institucionalização de algumas intervenções sociais que Celia já promovia. Com a inauguração da sede, em 2015, a instituição passou a oferecer gratuitamente atividades socioeducacionais, como aulas de judô, caratê, dança, teatro e música, além do curso preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Em 2013, o município havia registrado quase 50% de desistência no último ano do ensino médio. Eu precisava fazer alguma coisa”, lembra.

Quatro anos depois, a equipe da instituição voltou a notar indicadores preocupantes relacionados à educação do município. Apenas 37% dos estudantes da rede pública de Bayeux haviam atingido os níveis adequados de aprendizagem nas competências de leitura e de interpretação de texto. Ou seja, pelo menos seis entre dez alunos não conseguiam ler e escrever na idade esperada. “A ciência já provou que, se a criança passa pela idade de sete ou oito anos sem aprender a ler, provavelmente não vai mais conseguir aprender por métodos tradicionais”, afirma a pedagoga Isabella Paredes, uma das responsáveis pelo projeto Alfabetizar Letrando com Poesia e Música.

“É aí que entra o letramento, que é diferente da alfabetização. O letramento consiste em ensinar por meio da prática, do uso de ferramentas que fazem parte do contexto daquela criança, como um documento ou uma música, para que ela possa aprender a partir de algo que já conhece”, explica. O projeto atende justamente as crianças com dificuldades de aprendizagem, e sua metodologia é pautada no processo fonológico, em que as crianças aprendem principalmente por meio de rimas, ritmos e sons. Por isso, músicas e poesias são requisitos mais importantes para os encontros do que lápis e papel.

A ideia é parecer o mínimo possível com a rotina escolar. Os encontros sempre são iniciados com um “alongamento divertido”, conduzido pelas professoras. Em seguida, começam as atividades que têm como objetivo despertar o interesse e estimular a curiosidade, como a exibição de videoclipes curtos ou a execução de uma música. Cada encontro tem um tema relacionado à cidadania. “Se vamos trabalhar com alimentação, a primeira coisa que explicamos é o direito associado àquilo, para que se entendam como cidadãos com direitos”, pontua Isabella. “Depois, cantamos as palavras daquele dia, para que internalizem o som, antes de associá-lo a uma sequência de letras. Por fim, realizamos alguma atividade lúdica, como o dominó de palavras, para ajudar a fixar o conhecimento.”

Além da sonoridade, as professoras do projeto fazem sucesso com as crianças porque utilizam materiais como tinta, papel e cola, para que desenvolvam também a coordenação motora. “Eles não enjoam porque no encontro seguinte já propomos uma atividade completamente diferente.” Os encontros acontecem na sede da ABFB de segunda a quinta, com as crianças divididas em duas turmas. As sextas são reservadas para avaliação e planejamento.

Em 2022, a primeira edição do projeto atendeu 93 crianças de 12 escolas de Bayeux e os resultados foram positivos: 86% dos estudantes tiveram desenvolvimento classificado como ótimo nas competências relacionadas à alfabetização. Ao fim do ano letivo, 69% dos docentes das escolas afirmaram que as crianças apresentaram evolução entre razoável e excelente na escrita e 68% perceberam progresso na leitura. Além disso, 82% entenderam que o projeto contribuiu para a aprendizagem dos estudantes. “Podemos afirmar que a nossa metodologia é eficaz para os públicos com dificuldade de aprendizagem”, orgulha-se Isabella.

As crianças também avaliaram positivamente o projeto Alfabetizar Letrando com Poesia e Música. Pelo menos 93% delas acharam as aulas muito “interessantes e legais”, e nove em cada dez afirmaram ter aprendido coisas novas. Para o ano de 2023, o objetivo continua sendo “alfabetizar e letrar crianças que ultrapassaram os três anos iniciais do ensino fundamental sem obter êxito na aprendizagem”. Os encontros já começaram a acontecer com 94 crianças, mas a meta é chegar a 135 estudantes. Para isso, a equipe da ABFB se utiliza de estratégias como a busca ativa nos bairros e a veiculação de spots nas rádios comunitárias do município.

Todas as crianças e famílias assistidas pelo projeto recebem atendimento psicológico. Quando há suspeita de alguma questão de ordem neurológica ou psiquiátrica, é realizado encaminhamento para a rede de saúde. “São crianças em vulnerabilidade social, em alguns casos com desajustes familiares, às vezes num contexto de violência. Nossa proposta é acolher essas crianças com muito amor”, afirma Cássia Albuquerque, uma das professoras do projeto.

No primeiro ano do projeto, 26 estudantes receberam atendimento qualificado após diagnósticos como déficits de aprendizagem ou cognitivo, instabilidade de humor ou transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Isabella complementa destacando a importância desse tipo de acolhimento para a criança que apresenta alguma dificuldade de aprendizagem. “Ela comumente é chamada de preguiçosa ou burra. Acaba associando isso à escola e entende que não gosta de leitura, de escrita ou das aulas.” Recentemente, uma pesquisa encomendada ao Datafolha pelo Itaú Social apontou que o apoio psicológico na escola torna os estudantes mais felizes e motivados.

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