

Por Livia Piccolo, Rede Galápagos, São Paulo
“Achei ele bonito.” Foi isso que meu filho Raul, de sete anos, disse enquanto olhávamos a página do sapo. Todos zoam todos, livro do ilustrador e autor infantil colombiano Dipacho, aborda o bullying de uma forma adequada às crianças pequenas. A obra recebeu o selo Altamente Recomendável pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) e é um dos melhores títulos disponíveis para abrir conversas em família e na escola.
A primeira página já dá o tom da história, dizendo “todo mundo zoa de todo mundo”. Usando animais como personagens, a obra mostra que cada um tem uma característica única, podendo se tornar foco de zombaria dos outros. O peixe é pequeno, a baleia é grande. A arara é colorida, o pinguim é preto e branco. O pavão é bonito, o sapo é feio. Porém… a depender do Raul, não é bem assim, já que, encarando o sapo linguarudo, sentiu vontade de elogiá-lo.
Assim que terminamos o livro, puxei uma conversa sobre as características físicas de cada um, usando como exemplo os personagens do livro e também minha própria família. “O papai é alto e peludo, eu tenho cabelos encaracolados, a tia Marina tem cabelos claros.” Procurei passar a mensagem de que cada pessoa tem uma beleza única, e isso é, sobretudo, positivo e divertido. Todos zoam todos, de Dipacho, funcionou como um bom impulso para uma conversa sobre respeito à diversidade. Embora o autor fale de características físicas, ele também dá espaço para aspectos subjetivos dos personagens, trazendo à tona “aqueles que não cabem” e “os desorganizados”, por exemplo. Trata-se de uma leitura que pode ressoar tanto para as crianças que sofrem bullying, oferecendo acolhimento, quanto para as que praticam as intimidações, ajudando-as a ser mais empáticas.
Há crianças e jovens que sofrem bullying na escola por causa da aparência que têm ou das roupas que vestem. Usar o mesmo tênis todos os dias ou escolher roupas associadas a outro gênero são casos em que a criança pode ser alvo de risadas e comentários agressivos das demais. Eu me lembro de um menino que gostava de usar tiara no jardim de infância frequentado pelo Raul. Alguém lhe disse “isso é de menina”, e o tema apareceu na reunião pedagógica seguinte.
Professores e pais falaram sobre a importância de deixar as crianças se divertirem com todos os tipos de brinquedos, não os limitando como “de menina ou de menino”. E, ainda, permitir que os pequenos vistam o que atiça a curiosidade, de forma livre.

Pode pegar!, da autora brasileira Janaina Tokitaka, aborda o tema com muita sensibilidade. Os dois personagens principais são coelhos que trocam peças de roupa entre si. Ao ver que o coelho quer pegar uma maçã na árvore mas não a alcança, a coelha oferece seus sapatos de salto. Com os novos sapatos, ele consegue pegar a fruta. Por sua vez, o coelho oferece à amiga seu par de tênis, o que a faz brincar nas poças de água sem sujar os pés. A saia dela vira capa de super-herói para ele, enquanto as calças, nela, a ajudam a pular as montanhas e correr sem medo.
A certa altura, um coelho adulto chega e encerra a brincadeira. “Quem deixou vocês andarem desse jeito? Isso não pode, não!”, ele vocifera. Sua cara fechada e carrancuda deixa transparecer que o mundo tem regras e elas devem ser cumpridas. Uma chuva forte começa a cair e a coelha, então, oferece seu próprio chapéu. O sisudo coelho adulto abre um sorriso, pois percebe, inesperadamente, que gostou de usar o chapéu.

Ao final da leitura, arrisquei perguntar ao Raul como os amigos e amigas da sua sala costumam estar vestidos. “Normal”, ele respondeu. Fiquei em dúvida sobre como prosseguir com a conversa. Por um lado, apareceu a vontade de entender melhor o que ele definiu como “normal”.
Por outro, me pareceu uma resposta suficiente, indicando que não há por que prestar atenção na roupa dos outros. Que cada um possa vestir e se expressar da maneira que quiser. As ilustrações delicadas e a sensibilidade da história de Pode pegar! mostram que, em vez de julgar ou proibir os demais, a gente deve estar aberto a compreendê-los e, quem sabe, até a brincar junto. O que aparentemente é diferente e chama a atenção pode ser muito divertido!
Não há como abordar o bullying sem lembrar das crianças e jovens com deficiência. A inclusão da neurodiversidade ainda é um grande desafio nas escolas, e muitos alunos e alunas acabam sendo alvo de preconceito e piadas inadequadas. Eu falo como um rio, de Jordan Scott e ilustrações de Sydney Smith, é um excelente livro para conversar sobre o tema. Jordan Scott é um poeta canadense premiado que, desde criança, tem gagueira. Vários de seus livros procuram explorar a gagueira poeticamente, de forma lírica e experimental.
O personagem da história nos conta que “acordo com esses sons de palavras presos na minha boca/ fico quieto como uma pedra”. A dificuldade para falar causa medo e angústia principalmente na sala de aula. “Na escola, me escondo no fundo da sala de aula. Torço para não ter que falar. Quando a professora me faz uma pergunta, todos os meus colegas se viram e me olham.” Nesse momento da leitura, fiz uma pausa para conversar com o Raul sobre os sentimentos e emoções que se passam dentro de uma pessoa que é maltratada ou ridicularizada pelos outros. Falo como um rio é baseado na experiência pessoal do autor e é possível perceber a honestidade com a qual ele trata o tema. Partindo de suas memórias de inadequação vividas na escola, Jordan deixa transparecer nas páginas a solidão sentida pela criança que sofre bullying.
Sensibilizar as crianças e jovens para o respeito à diversidade e para os efeitos negativos do bullying não é um processo imediato, que acontece da noite para o dia. Nesse sentido, os livros podem ser bons companheiros. Eles servem como ferramentas para conversar sobre o cotidiano das crianças e ajudá-las a abraçar a diferença, seja ela qual for.
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