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Dez perguntas para

“Meu encantamento pelos livros nasceu na biblioteca pública”

A autora fala sobre sua infância com os livros e sua obra Tatu-Balão, título que tem a amizade e a perseverança como temas


Sônia Barros
Escritora

Sônia Barros com seu livro Tatu-Balão, selecionado pelo programa Leia com uma criança em 2015

Por Livia Piccolo, Rede Galápagos, São Paulo

Sônia Barros nasceu em Monte Mor e, quando tinha três meses, mudou-se para Santa Bárbara d’Oeste, no interior do estado de São Paulo. Sua mãe, Maria Aparecida Rangel, desde cedo levou a menina para a biblioteca da cidade, a Biblioteca Pública Municipal Maria Aparecida Almeida Nogueira. Ali nasceu o amor de Sônia Barros pelos livros. Ainda adolescente, decidiu prestar o vestibular para letras, pois desejava escrever e ensinar. Em todas as suas entrevistas, a autora faz questão de rememorar o início de sua vida como leitora e a influência decisiva que sua mãe desempenhou. 

Com mais de 20 livros publicados por diversas editoras — alguns deles premiados —, Sônia Barros continua cheia de ideias e projetos. “A literatura enriquece a vida de uma criança”, ela diz. Além de escrever e publicar, a autora é muito ativa nas escolas públicas e feiras do livro voltadas para o público infantil. Já realizou inúmeras leituras coletivas e atividades a partir de seus livros, que abordam uma grande variedade de temas, sempre com delicadeza e perspicácia. 

NNotícias da Educação — Você já disse em algumas entrevistas que sua mãe contava histórias para você um pouco antes da hora de dormir. Quais são suas memórias desses momentos na companhia dela?

SSônia Barros — São momentos que ficarão para sempre em minha memória afetiva. Todas as noites, mesmo cansada por ter trabalhado o dia todo (minha mãe adotiva era empregada doméstica), ela me contava histórias. Às vezes, eram histórias que ela mesma inventava ou sabia de cor; outras vezes, eram histórias ou poemas dos livros emprestados da biblioteca pública de Santa Bárbara d’Oeste, cidade onde cresci e moro até hoje, no interior do estado de São Paulo. Minha mãe mal frequentou escola, mas desejava que eu tivesse acesso ao que ela não teve e me apresentou ao mundo maravilhoso dos livros, que enriqueceu minha existência!

“Ao escrever para as crianças, não evito temas ainda considerados tabus, pois acredito que o livro pode ser um importante instrumento de apoio, de introdução numa conversa sobre algum momento doloroso ou de frustração.”

NComo você começou sua história de autora de livros infantis?

SCostumo dizer que, na infância, o livro era meu brinquedo favorito, uma caixinha de surpresas que me fazia sonhar. E isso acontecia mesmo sem ter um único livro em casa que fosse realmente meu, pois minha mãe não podia comprar, não cabia em nosso orçamento. Como os livros eram sempre emprestados da biblioteca e precisavam ser devolvidos, eu copiava algumas histórias num caderno, principalmente os poemas. Depois de um tempo, passei a inventar minhas próprias histórias. Acredito que tudo tenha começado aí, nessa vontade de oferecer encantamento igual ao que os livros me davam. Mesmo sem imaginar, ainda, que essa seria minha profissão.

NO livro Tatu-Balão começa com os versos: “Conheci um tatu-bola/ que não era feliz não./ Tinha um sonho na cachola,/ não ser bola, ser balão”. Você acha importante conversar com as crianças sobre os sentimentos desconfortáveis e os momentos de infelicidade que vivemos na vida?

SOs livros me ajudaram muito, desde a infância, nesse processo de aceitação e superação de situações difíceis. Por isso, ao escrever para as crianças, não evito temas ainda considerados tabus, pois acredito que o livro pode ser um importante instrumento de apoio, de introdução numa conversa sobre algum momento doloroso ou de frustração. Atualmente passo por um momento difícil e um dos meus projetos em andamento está ligado a essa experiência. Desde 2018 estou cuidando da minha mãe adotiva, que está com mal de Alzheimer e totalmente dependente. Um desses meus projetos é sobre essa convivência — dolorosa, mas também cheia de afeto e gratidão. São diálogos do hoje (em que me tornei sua mãe) e do ontem (quando eu era a sua menina!). Livro muito especial, que desejo oferecer ao jovem leitor, em breve.

Sônia Barros com alunos e alunas da EMEF Morro da Cruz, em Porto Alegre (RS), em 2021. Imagem: Arquivo pessoal

“Algo que me tocou de maneira especial foi saber que o livro ajudou crianças na recuperação de traumas dolorosos.”

NTatu-Balão fala de um tatu que deseja ser balão. Ele se lança, tentando voar, mas se espatifa no chão. As vontades, fantasias e sonhos que cada um carrega dentro de si constituem um dos temas do livro?

SSim, pois o que mais me encantava num livro, quando criança, era justamente essa possibilidade de sonhar, de viver e realizar fantasias. Tentei mostrar ao leitor que a concretização de um sonho acontece depois de um percurso, que nem sempre é fácil. No caso do tatu-bola que desejava ser balão, o percurso é bastante árduo, mas ele não desiste!

NO tatu realiza o sonho de ser balão quando pode contar com a ajuda do menino Damião, com quem ele começa uma bonita amizade. O que motivou você a escrever uma história infantil abordando o valor da amizade? 

SA amizade é um presente que a vida nos dá e que precisa ser cultivado. Acho importante mostrar à criança como é precioso ter alguém com quem contar, dividir os sonhos, as conquistas, mas também as tristezas e dificuldades. Tatu, quando encontra o amigo Damião, não apenas realiza o sonho de ser balão, mas também consegue se aceitar e ser feliz como tatu-bola: “E os dois se divertiam/ mesmo sem vento soprando./ No alto do morro subiam,/ depois desciam… rolando!”. 

Visita à Escola Estadual Inocêncio Maia, em Santa Bárbara d’Oeste (SP), em novembro de 2022. Imagem: Arquivo pessoal

NAs ilustrações da artista Simone Matias têm cores terrosas, que remetem ao universo rural brasileiro, além da caatinga e do sertão. Como foram o processo criativo e a conversa com ela?

SEscolhi a Simone Matias para ilustrar essa história porque já conhecia e admirava o trabalho dela. Ao ver as primeiras provas, fiquei encantada, não fiz nenhuma sugestão. Ela ficou totalmente à vontade para criar. O resultado ficou maravilhoso!

NTatu-Balão foi selecionado pelo programa Leia com uma criança. Como você enxerga, hoje, o impacto do programa na recepção do livro?

SFoi uma surpresa saber da escolha do livro para esse programa de tão grande alcance! Desde a sua publicação e distribuição, o livro tem me trazido muitas alegrias. Leitores do Brasil todo puderam conhecer a história do tatu-bola que desejava ser balão. O livro ganhou até uma adaptação para o teatro.

“É importante oferecer à criança, através da literatura, situações que a levem a refletir, a se colocar no lugar do outro, a ter novas possibilidades de ver e sentir o mundo.”

NQuais foram as reações das famílias e crianças que mais surpreenderam?

SForam tantas as mensagens recebidas e os retornos que tive (e ainda tenho) sobre esse livro, que até hoje me surpreendo. Vídeos com crianças pequenas “lendo” a história, depois de terem decorado de tanto ouvir, me emocionaram muito. Mas algo que me tocou de maneira especial foi saber que o livro ajudou crianças na recuperação de traumas dolorosos. Crianças que não sabiam mais o que era sonhar e, ao conhecer a história do tatu (através de uma profissional da área da saúde mental), puderam acreditar que também eram capazes de voltar a ter sonhos. E alegria de viver. 

NQuais são os autores infantis que inspiram a sua produção e o seu pensamento?

SA lista é grande, vou citar apenas alguns. Desde a infância, a poesia de Cecília Meireles me encanta. Clarice Lispector me marcou profundamente, tanto que desejei conhecê-la depois de ler A mulher que matou os peixes e fiquei triste ao saber que ela havia falecido no ano anterior… José Paulo Paes e Tatiana Belinky, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente, me ensinaram muito e ainda me inspiram. Fanny Abramovich, a quem chamo de “fada-madrinha”, foi importantíssima na minha trajetória. Ângela Lago, que menciono na dedicatória do Tatu-Balão, além de muito me ensinar sobre livros para crianças, foi uma amiga sempre presente e muita falta me faz.

NNa sua visão, o que não pode faltar em um bom livro infantil?

SDifícil falar o que não pode faltar, pois o livro é um mundo que se oferece à criança. Pode ser irreverente, engraçado, triste, sensível, crítico, lírico… Surpreendente, sempre! Mas não deve ser: didático, moralista, com pretensões de ensinar. Vejo o livro como um importante instrumento de enriquecimento e transformação existencial. É importante oferecer à criança, através da literatura, situações que a levem a refletir, a se colocar no lugar do outro, a ter novas possibilidades de ver e sentir o mundo. E, mais do que nunca, ser um agente de transformação! Temas como diversidade, combate ao racismo e ao preconceito, importância da empatia e da compaixão, respeito e preservação do meio ambiente, por exemplo, são imprescindíveis.

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