

Por Livia Piccolo, Rede Galápagos
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido divulgado e debatido com mais frequência nas mídias em geral. Entretanto, em diversos contextos, ainda há desinformação sobre o que ele realmente significa e como afeta a vida de crianças e jovens. Nos contextos educacionais, professores da rede pública e privada encontram dificuldades para acolher e lidar com os alunos que têm TEA. Muitas vezes os profissionais não passaram pela formação continuada, capaz de oferecer as ferramentas necessárias nos processos de aprendizagem. Quais são os principais desafios de comunicação que as crianças com TEA apresentam na primeira infância? Quais são os profissionais que podem oferecer apoio nessa jornada? Como acolher uma criança com TEA em uma escola regular, como está previsto na LBI (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência)?
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer o que é o Transtorno do Espectro Autista. Segundo o Ministério da Saúde, “o TEA é um distúrbio caracterizado pela alteração das funções do neurodesenvolvimento do indivíduo, interferindo na capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento. Mesmo assim, o diagnóstico precoce permite o desenvolvimento de estímulos para independência e qualidade de vida das crianças”. Os especialistas da área explicam que existem vários tipos de autismo, com níveis diferentes de comunicação e socialização. E, para que a criança com autismo possa se sentir integrada na sala de aula, escola e pais precisam trabalhar juntos. A ideia norteadora é de que a criança com autismo possa, algum dia, acompanhar seus pares, alcançando, quem sabe, as da sua idade. Para tanto, a criança com atrasos no desenvolvimento precisa dos mesmos estímulos que as demais.
O projeto Autismo e Realidade, iniciativa ligada à Fundação José Luiz Egydio Setúbal, oferece informações atualizadas e baseadas em evidências científicas sobre o TEA. Segundo o site, “cada indivíduo dentro do espectro vai desenvolver o seu conjunto de sintomas variados e características bastante particulares. Tudo isso vai influenciar como cada pessoa se relaciona, se expressa e se comporta”. Como as características do autismo se expressam de forma variada, o processo de aprendizagem da fala e da escrita também é heterogêneo. O que funciona para uma criança pode não dar certo com outra.
A criança autista não é incapaz
Algumas crianças com TEA não terão grandes problemas na aprendizagem da fala e da escrita. Para outras, a comunicação oral será um grande desafio. Leonora Fernanda Pereira atua na prevenção, avaliação e intervenção fonoaudiológica nas áreas de linguagem oral, escrita, motricidade orofacial e comunicação suplementar alternativa. A fonoaudióloga é uma das profissionais da Clínica Integrar, na cidade de Campo Largo, no Paraná, e, ao longo dos anos, especializou-se no atendimento às crianças e jovens com TEA. Em 2021, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), participou de uma imersão em educação especial com ênfase em pessoas com autismo, além de outros cursos focados nas disfunções orofaciais em crianças e bebês.
Ela diz que “quanto antes as estimulações puderem ocorrer, mais chances de sucesso teremos”. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, “o transtorno origina-se nos primeiros anos de vida; no entanto, sua trajetória não é uniforme. Algumas crianças apresentam sintomas logo após o nascimento, contudo, na maioria dos casos, eles apenas são consistentemente identificados entre os 12 e os 24 meses de idade. Não obstante essa evidência, o diagnóstico do TEA ocorre, em média, aos quatro ou cinco anos de idade”. A descoberta do autismo antes do período de alfabetização contribui positivamente para a trajetória da criança. Dessa forma, os profissionais poderão se preparar e atuar de forma conjunta e colaborativa. A criança com autismo não é incapaz. Pelo contrário, ela é capaz de aprender e fazer, mas de forma diferente dos demais e, para isso, precisa de acessibilidade na comunicação.



A contribuição fundamental da fonoaudiologia
Leonora Fernanda ressalta que é fundamental que as famílias procurem um fonoaudiólogo quanto antes, pois ele será capaz de avaliar, diagnosticar e intervir adequadamente. Muitas famílias acabam cometendo deslizes comuns, como falar no lugar da criança ou repetir as palavras erradas emitidas por ela. “Algumas formas de ajudar a criança são simples: falar na altura dela, articular as palavras de forma calma e objetiva, repetir a palavra diversas vezes dentro do mesmo contexto e criar a demanda.” A especialista explica que a fala humana surge da demanda. “Por que vou pedir a bolacha se posso ir lá pegar? Se a criança apresenta dificuldades para fazer pedidos, essa análise e a reorganização do ambiente são fundamentais para criarmos essas oportunidades”, ela diz.
Atuando de forma colaborativa com professores e família, o fonoaudiólogo buscará meios de ensinar a criança com autismo a se comunicar, seja por meio da fala, da linguagem escrita, de gestos ou da comunicação alternativa aumentativa. O objetivo final é ajudar o indivíduo a interagir adequadamente, manter conversas, fazer e responder perguntas, saber quando e como iniciar uma conversa e compreender adequadamente o que é falado.
Desafios em sala de aula
Simone Terezinha de Oliveira, coordenadora pedagógica da Escola Municipal Diácono Edgar Marochi, em Campo Largo, no Paraná, tem 27 anos de experiência na educação pública. A especialista começou sua trajetória como atendente de creche, depois como professora e, posteriormente, assumiu a coordenação pedagógica da instituição em que está hoje. A profissional explica que, no ensino regular, a maior dificuldade dos alunos com autismo são a interação sensorial e a socialização, características predominantes do TEA. Ela chama a atenção para os desafios enfrentados em sala de aula: “Os ruídos causados pela agitação legítima das crianças geram no aluno atípico muito desconforto”.
Para minimizar o problema e auxiliar a criança com autismo, Terezinha de Oliveira cita alguns caminhos. Adequar o espaço, colocando o aluno perto dos professores, é o primeiro passo. “E, se possível, diminuir o barulho em sala de aula.” A profissional explica que, para ensinar uma criança com TEA a falar, o trabalho conjunto é fundamental. “Buscar estratégias multidisciplinares com os profissionais que atendem a criança fora da escola e com os pais para que, de antemão, a criança seja acolhida sem que haja uma ruptura brusca do ambiente com o qual ela está acostumada”, ela diz. Segundo a coordenadora, os estímulos trabalhados nas terapias devem ser levados para a sala de aula.
A importância da comunicação alternativa
Terezinha de Oliveira conta que em 2019 a escola recebeu, na turma do Infantil 4 — sala que atende as crianças de quatro anos —, um aluno diagnosticado com autismo aos dois anos de idade. No início o desafio foi grande. “Não sabíamos como a criança se comunicava e se ela entendia os comandos.” Com o passar do tempo e a partir das conversas com a família, os professores foram criando oportunidades para que a criança demonstrasse o que estava sentindo. “Nas rodas, oferecemos muitos estímulos para que ela falasse, nem que fosse repetindo as frases das professoras.” Ela conta que a escola também montou a prancha de comunicação alternativa e, desse modo, aos poucos, a criança foi conseguindo falar e pedir o que queria, apontando os desenhos e letras da prancha.
Vale dizer que a prancha é um dos recursos da CAA (comunicação aumentativa e alternativa), assim como cartões de comunicação e outras interfaces que podem ser desenvolvidas. Tais recursos mostram imagens para representações verbais ou visuais de conceitos e ideias.
Atualmente o aluno frequenta o 3º ano do ensino fundamental e está lendo e escrevendo. “Temos consciência de que todo o avanço obtido é fruto de muito trabalho. A mãe dele teve um papel fundamental, pois sempre buscou modos de aprimorar seu próprio conhecimento e encontrar maneiras de fazê-lo avançar.” Segundo Terezinha de Oliveira, os professores precisam, acima de tudo, encorajar os alunos. Além disso, necessitam ter disposição e abertura para mergulhar em um mundo de possibilidades.
Apreensão com o futuro
Diante das dificuldades que seus filhos apresentam para socializar e fazer pedidos em sala de aula, muitas famílias sentem enorme ansiedade. O medo de que a criança não desenvolva autonomia é um grande fantasma. Leonora Pereira diz que “um dos maiores desafios é lidar com a ansiedade das famílias em relação ao desenvolvimento da fala; a pergunta que mais recebo é: ‘Ele vai falar?’”. Nesse sentido, pais e professores precisam conhecer o espectro, compreendendo as dificuldades que cada criança experimenta. “Responder a essa pergunta com sim ou não seria antiético. Digo que a intenção tanto das crianças como do fonoaudiólogo é a fala, porém alguns indivíduos dentro do espectro podem não desenvolvê-la. E meu papel, então, é encontrar outras formas de comunicação, sempre em conjunto com a família e a escola.”
Leonora Pereira conta que já atendeu diversos casos de jovens de 13 anos com TEA que não apresentavam oralidade. “Esses jovens frequentavam terapia desde muito novos, mas sempre tiveram contato apenas com a comunicação oral; nunca foram sugeridos a eles recursos alternativos de comunicação, seja na escola ou no consultório.” Nesses casos, a fim de evitar sofrimentos desnecessários e repetidas frustrações, é preciso pensar em outras estratégias de comunicação e aprendizagem. “A melhor forma de comunicação é aquela que atende à necessidade da criança que vai utilizá-la.”
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