

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador (BA)
Quando chegou ao posto de secretária de Educação de Vespasiano, Minas Gerais, em 2017, Laís Brant encontrou nos indicadores do município um motivo para confirmar uma antiga preocupação. O desempenho abaixo do esperado em matemática, evidenciado pelos resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), já incomodava a gestora havia algum tempo.
Ao longo dos 31 anos dedicados à educação pública municipal, Laís viu algumas tentativas pontuais de solucionar o problema, como encontros para discutir matemática, com efeitos igualmente pontuais. O desafio era grande e demandava uma intervenção estrutural, pensou. Em 2021, uma oportunidade surgiu. O Itaú Social estava com inscrições abertas para o programa Melhoria da Educação, programa de apoio a prefeituras para a garantia de padrões mais elevados de qualidade e equidade no acesso, permanência e aprendizado de crianças, adolescentes e jovens.
A primeira etapa do programa era o desenvolvimento de um planejamento estratégico de quatro anos para a educação municipal. “Na construção, mencionamos algumas vezes que a matemática era um problema do nosso município”, conta a secretária. Dessa forma, a meta 4.2 do Plano Estratégico da Secretaria Municipal de Educação de Vespasiano para o quadriênio 2021-2024 é “melhorar o desempenho em matemática dos estudantes da Rede Municipal”. O município, então, foi indicado para experimentar a metodologia Mentalidades Matemáticas.
O Mentalidades Matemáticas foi desenvolvido num centro de pesquisas da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, pela professora Jo Boaler. Esse novo jeito de ensinar matemática é baseado em estudos da neurociência, e o grande diferencial está justamente em tornar a matéria menos abstrata, trazendo exercícios visuais e exemplos práticos, nos quais as crianças são incentivadas a chegar aos resultados por conta própria, em vez de serem apresentadas a equações e fórmulas genéricas. No Brasil, o Mentalidades Matemáticas é uma iniciativa do Instituto Sidarta, em parceria com o Itaú Social.
“Comemoramos feito criança pequena quando recebemos a notícia de que participaríamos do projeto com o Sidarta. Fizemos até dancinha”, lembra, aos risos, a secretária de Educação de Vespasiano. “Pela primeira vez, estamos tratando a questão do ensino da matemática de forma sistematizada.” Profissionais de 23 escolas públicas estão participando do Mentalidades Matemáticas, impactando quase 6 mil estudantes da rede municipal, do 4º ao 9º anos do ensino fundamental.

No chão da escola
Ione Clarice é professora do 5º ano na Escola Municipal Maria Aparecida Barros Santos. No início de 2022, quando todos os professores -– e não só os de matemática –- foram convidados a conhecer a metodologia, ela precisou sair da sua zona de conforto. “No primeiro momento, pensamos: ‘Mentalidades Matemáticas não deveria ser só para os professores de matemática?’. Antes de mudar a mentalidade dos meus alunos, eu precisei mudar a minha. Essa é a proposta.”
Desde então, as formações ocorrem quinzenalmente, por meio da internet, em manhãs de sábado. Os professores são desafiados a aplicar a abordagem em pelo menos uma das aulas durante cada semana e compartilham as experiências com o grupo no encontro seguinte. Cada escola tem uma guardiã do Mentalidades Matemáticas, pessoa responsável por gerenciar a aplicação da abordagem. Ione é a guardiã da escola em que trabalha.
Participam das formações do Mentalidades Matemáticas 187 profissionais da educação da rede municipal de Vespasiano, entre professores do 4º ao 9º anos, gestores e colaboradores da secretaria.
Uma das principais práticas propostas pela metodologia é a de entender o erro como parte do processo de aprendizagem. Para a professora e guardiã, trabalhar dessa forma tornou o processo mais confortável para todo mundo. “Quando chamava o aluno ao quadro, ele tinha medo de errar porque o colega iria rir. Finalmente consegui colocar na cabeça deles que errar não é um problema. Explico que, quando erram, consigo saber onde está a dificuldade e como posso ajudar.”
A abordagem Mentalidades Matemáticas pretende que a disciplina seja trabalhada na sala de aula de forma descomplicada e desafiadora, para educadores e estudantes. Para isso, seu slogan propõe uma matemática mais equitativa, aberta, criativa e visual. No 5º ano do ensino fundamental, os alunos geralmente são crianças e gostam de brincar. O que poderia ser um problema se torna estratégia: aprender brincando.
“É uma aula diferente, com muitos jogos e propostas lúdicas. Saímos da sala de aula e exploramos outros espaços, como o pátio da escola, e eles começam a entender que existem muitas possibilidades e que não precisam ficar limitados.” De acordo com Ione, os pais já relatam que os alunos chegam em casa empolgados nos dias das aulas de Mentalidades Matemáticas. “Eles se sentem desafiados e vão para casa pensando nisso. Às vezes, chegam no outro dia falando: ‘Professora, entendi aquilo que discutimos ontem’”, celebra, orgulhosa.
Secretária de Educação de Vespasiano, Laís Brant também avalia positivamente o início da parceria entre rede municipal e Mentalidades Matemáticas. “É um projeto que abre um leque de ferramentas e chega à base. Para fazer a diferença na rede pública, é preciso chegar à sala de aula, ao professor e ao aluno. Quando você envolve as pessoas e elas veem sentido naquilo, querem fazer parte e contribuir para dar certo”, conclui.
Pensando alto
Participam das formações do Mentalidades Matemáticas 187 profissionais da educação da rede municipal de Vespasiano, entre professores do 4º ao 9º anos, gestores e colaboradores da secretaria. Os números são apresentados por Danielle Ramanery, principal articuladora do programa no município. Ela é responsável por mediar o diálogo entre o Instituto Sidarta e a Secretaria de Educação.
“Antes do programa, o ensino era muito tradicional. Não passava pelo prazer e pelo envolvimento do aluno, não fazia conexões entre a matemática e a realidade dele, então era só uma sequência de fórmulas para decorar”, explica a coordenadora, que trabalha com educação em Vespasiano há 28 anos. Danielle revela que o primeiro grande desafio foi apresentar a proposta aos professores. “No início, muitos foram resistentes porque é uma desconstrução daquela matemática de ‘decoreba’, e o aluno passa a ser protagonista. Isso assusta logo de cara, mas quem resolveu experimentar se apaixonou.”
Na escola Maria Aparecida Barros Santos, a professora Ione também achou a proposta ousada e desafiadora, em uma primeira impressão. “Precisei desconstruir algumas verdades que vi na faculdade e nas especializações. Entendi que as coisas mudam e não posso mais ser a professora que eu era. Não que estivesse errada, mas eu estava limitada”, afirma. “Nas formações, consigo ver coisas que nunca havia enxergado. Por exemplo, foi lá que percebi outras possibilidades para a tabela pitagórica, que vão muito além da multiplicação. Assim, pude levar novas provocações para os meus alunos.”
Na opinião de Danielle, esse é o processo ideal para a implementação de uma nova forma de ensinar matemática no município. “O primeiro momento objetiva atingir o professor e mudar sua atitude para a mentalidade de crescimento. A longo prazo, essa mudança chegará ao aluno.” O prazo para perceber algumas mudanças, entretanto, pode ser mais curto que o previsto. “Quando visitamos as escolas, já vemos os alunos com autonomia e propriedade desse vocabulário. O protagonismo deles está aumentando. Já fazem conexões e entendem a matemática colaborativa”, aponta.

Com o balanço positivo do primeiro ano de Mentalidades Matemáticas em Vespasiano, a rede municipal e o Instituto Sidarta planejaram cada um dos passos seguintes. A convocação dos professores que atuam em 2023, que geralmente ocorre no início de cada ano, foi feita ainda em dezembro de 2022.
Isso permitiu realizar uma imersão com professores entre os dias 23 e 27 de janeiro. A atividade é uma espécie de treinamento para que, posteriormente, os próprios educadores promovam um curso de férias com os alunos.
O curso de férias da abordagem Mentalidades Matemáticas surgiu nos Estados Unidos e já foi experimentado no Brasil, em 2020, com estudantes de Cotia. No município paulista, foi identificado um avanço de 1,3 ano em 10 dias de atividades com as crianças, como contou em entrevista ao Itaú Social a educadora Ya Jen Chang, presidente do Instituto Sidarta. “O salto proporcionado pelo curso de férias na matemática é grande. Os alunos praticamente vão recuperar o prejuízo da pandemia nessa atividade”, projeta Danielle, articuladora do Mentalidades Matemáticas em Vespasiano.
A matemática no topo dos indicadores
Para a professora Ione, a tendência é que as prefeituras vizinhas observem o sucesso da abordagem e busquem também fazer parte. Vespasiano, segundo ela, já está com a metodologia “na veia”. “Por aqui, todo mundo já entendeu qual é a dinâmica. Se o município quer melhorar as notas de matemática, então precisamos trabalhar de uma forma diferente.” A educadora entende que o programa precisa fazer parte do planejamento educacional do município para não ter um caráter de atividade extra. “Até porque o conteúdo é o mesmo, só muda a forma de fazer”, conclui.

A secretária Laís Brant está pensando na mesma linha. “Hoje, o Mentalidades Matemáticas é o sistema de capacitação em matemática da rede municipal de Vespasiano. Busco uma forma de incluir o programa na grade, de forma obrigatória. Atualmente, os professores participam de maneira voluntária.” Danielle também faz projeções positivas para o futuro. “Queremos que a matemática seja o carro-chefe dos nossos indicadores.”

Hoje articuladora na Secretaria de Educação, Danielle também dedicou anos à sala de aula. Mesmo não estando mais no dia a dia da escola, a educadora tem aproveitado para repensar algumas antigas práticas. “Em matemática, eu tentava passar umas atividades interessantes. Hoje, descobri que não eram nada interessantes”, brinca. Ela diz que gostaria de ter conhecido o programa e a mentalidade de crescimento ainda mais nova. “Os princípios do Mentalidades Matemáticas podem ser aproveitados em outras áreas da vida, como para não desistir do inglês ou para tirar uma carteira de habilitação. A pessoa fica mais confiante em suas próprias possibilidades.”
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