

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador (BA)
As grandes metrópoles precisaram parar as suas agitadas rotinas, e as pequenas cidades também sofreram. Consequências da pandemia de Covid, que, no ano de 2020, provocou crises em todas as áreas, especialmente saúde e economia. “Percebemos que, cada vez mais, as famílias saíam de casa para ir às ruas pedir”, lembra Márcio Francisco de Andrade, historiador, assistente social, teólogo e diácono, ao falar do município de João Câmara, no Rio Grande do Norte. Ele coordena as finanças e os projetos do Serviço de Assistência Rural (SAR), da Arquidiocese de Natal, que atua em todo o estado.
Há mais de 70 anos, a organização apoia pautas dos movimentos de trabalhadores do campo e da cidade e a defesa do meio ambiente. Em João Câmara, estabelece parcerias e se organiza em redes. Junto à Pastoral da Criança, por exemplo, o SAR consegue acompanhar famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social. “Começamos a atuar lá em 2015, com as comunidades quilombolas, indígenas e periféricas. Trabalhamos o desenvolvimento social, incentivando para que a agricultura familiar se torne uma fonte de renda.” De acordo com Márcio, o índice de desenvolvimento humano (IDH) é baixo e a população local carece de atenção e políticas públicas.
Bodega Solidária
“Aqui no Nordeste, a ‘bodega’ era um estabelecimento onde as pessoas compravam mercadorias. A diferença em relação ao supermercado é que nela se podia comprar fiado, e o vendedor anotava as dívidas numa caderneta”, conta o historiador. Bodega Solidária foi o nome escolhido para o projeto implementado pelo SAR no município, em 2020. “Esse modelo está no imaginário das pessoas. Aproveitamos para usá-lo e acrescentar o conceito da solidariedade.” No espaço, as famílias poderiam trocar alimentos e produtos entre si.
No decorrer da intervenção, a equipe da organização passou a acompanhar as crianças, que estavam sem ir à escola por causa das medidas restritivas relacionadas à pandemia. Era necessário pensar uma forma de levar um olhar mais atencioso, voltado às crianças e adolescentes das famílias atendidas. Para ampliar a intervenção, o SAR propôs o projeto Solidariedade e Vida, que foi selecionado no edital Fundos da Infância e da Adolescência (Edital FIA). Parte do programa IR Cidadão, do Itaú Social, o edital estimula os colaboradores do Itaú a destinar parte de seu imposto de renda devido aos Fundos da Infância e da Adolescência (FIAs). Já no preenchimento da declaração do imposto de renda, qualquer contribuinte pode destinar até 3% de seu imposto de renda devido aos FIAs, ação que também é incentivada pelo Itaú Social.
Neste ano o SAR atua com distribuição de alimentos e uma programação de conscientização para as famílias. Márcio explica que as primeiras ações realizadas foram visitas aos domicílios e um cadastro para identificação dos grupos familiares expostos a um maior grau de vulnerabilidade. “Priorizamos aqueles que não recebiam benefícios, chefiados por mães solteiras, mais numerosos, com pessoas desempregadas e os que estão em comunidades indígenas e quilombolas ou em assentamentos.” Ao todo, a iniciativa atende 240 famílias. “Cada uma delas tem, em média, dois ou três filhos. O número total de crianças e adolescentes beneficiados pelo projeto ultrapassa 700”, avalia.
Os kits de alimentos são distribuídos mensalmente. A data da entrega é definida durante a visita da pessoa profissional de assistência social, que também funciona como um momento de escuta, acompanhamento e avaliação. No dia da retirada, as crianças passam por um acompanhamento nutricional. O projeto incentiva uma alimentação saudável e já promoveu a entrega de sementes de hortaliças para o desenvolvimento de quintais produtivos nas comunidades, por exemplo. Itens como batata-doce, abóbora, banana, ovos e peixe são adquiridos de produtores locais. Essa é uma forma de reduzir o consumo de alimentos cultivados com o uso de agrotóxicos. Outros produtos são comprados em um mercado do município. “Um dos nossos objetivos é fortalecer a economia de João Câmara.” Os kits serão distribuídos ao longo de oito meses.
O estímulo ao plantio das sementes é parte das atividades educativas inclusas no novo planejamento. Estão previstas campanhas de proteção da criança e do adolescente na erradicação do trabalho escravo e de vacinação para esse mesmo público. “A palavra ‘vida’ está no nome do projeto porque queremos proporcionar às famílias um desenvolvimento com dignidade e acesso aos seus direitos”, diz o coordenador do SAR. Ele reconhece as limitações da atuação no município e quer fazer muito mais. “Numa família de quatro pessoas, uma cesta básica não garante a alimentação no mês inteiro.” É comum as chefes de família relatarem que a entrega dos kits ocorreu num momento de preocupação, em que o estoque de alimentos em casa estava próximo do fim.
Uma outra consequência positiva da iniciativa tem sido motivo de orgulho para a equipe de nutricionistas. “Uma mãe relatou ter entendido os malefícios do consumo excessivo de açúcar. Hoje, diz usar menos o ingrediente, e isso também é um impacto importante”, afirma Márcio. Para além dos números e das estatísticas, os momentos de escuta são a verdadeira oportunidade de entender os resultados das ações. Sempre demonstrando gratidão em suas falas, o historiador não deixou de ressaltar a importância das pessoas que contribuíram para a execução do projeto, por meio do programa IR Cidadão. Para ele, se todos fizerem um pouco, isso se tornará muito. “É assim que construiremos um mundo melhor”, propõe.