


Por Maria Fernanda Salinet e Priscila dos Anjos, Rede Galápagos, Florianópolis (SC)
Às margens do rio Guaíba, no extremo sul da cidade, fica uma Porto Alegre diferente. Distante dos pontos centrais da capital, é possível perceber traços de uma zona rural, especialmente pelas grandes áreas de chácaras mantidas por pequenos agricultores. A sensação de estar em outra cidade fica ainda mais evidente ao chegar a Belém Novo. Com pouco mais de 13 mil habitantes, o bairro tem em frente à sua praça principal a recém-reformada Paróquia de Nossa Senhora de Belém. A igreja de 144 anos divide o cenário com belas paisagens e casas de arquitetura histórica em meio à tranquilidade, que contrasta com o ritmo do resto da metrópole. Nesse pequeno bairro gaúcho foi onde o ex-fotógrafo esportivo Marcelo Ruschel alugou uma quadra de tênis abandonada e criou a organização WimBelemDon, que há 20 anos acolhe crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.
“Temos o desafio diário de vencer o preconceito de que tênis é um esporte de elite. Por que a criança não pode sonhar em jogar tênis? A gente prova que isso é possível e usa o esporte como forma de inclusão”, ressalta Marcelo, sobre a essência da organização. Mas mesmo que a WimBelemDon — nome que homenageia o Grand Slam de tênis Wimbledon, disputado no Reino Unido — tenha o tênis como grande símbolo, a organização da sociedade civil (OSC) encara o esporte apenas como ponto de partida. “A missão da organização é dar instrumentos para que as crianças consigam identificar sonhos, quaisquer sonhos, e tenham ferramentas para ir atrás deles”, explica Marcelo. Por meio de uma pedagogia que valoriza os talentos individuais, a OSC engloba aspectos sociais e culturais de quem vive no bairro. Assim, os educandos participam, por exemplo, de aulas de leitura; arteterapia; oficinas de cinema; yoga, meditação e relaxamento; oficinas de psicologia — considerado o maior departamento da instituição — e, é claro, oficinas de tênis. A WimBelemDon faz parte do programa Missão em Foco, do Itaú Social, que investe em organizações da sociedade civil que contribuem para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes (leia mais no quadro “Antecipando o próximo movimento”, abaixo).
Pandemia e aproximação das famílias
Ao longo de duas décadas, a WimBelemDon acolheu mais de mil crianças e adolescentes, com idades entre 6 e 18 anos no contraturno escolar, promovendo ações de segunda a sexta-feira. No dia 18 de março de 2020, no entanto, a organização precisou suspender o atendimento presencial por causa da pandemia de Covid-19. Mesmo assim, o desafio de interagir de forma remota não impediu a equipe de perceber as necessidades dos alunos e de se conectar com eles. “Tivemos uma aproximação muito significativa com as famílias, porque as crianças de seis, sete anos não têm celular. Então as famílias precisaram mediar essa comunicação e por isso a gente conseguiu se aproximar ainda mais delas”, aponta o gerente de comunicação da OSC, Cristiano Santarem. Nos primeiros meses, as atividades aconteceram por uma plataforma de mensagens instantâneas. Mas os esforços dos colaboradores e voluntários da WimBelemDon deram resultados: a OSC firmou em junho de 2020 uma parceria com uma plataforma de ensino a distância e aos poucos está se adaptando a esse novo universo de ensino digital. São oito oficinas contempladas, entre elas psicologia; plantagem e cultivo; e aprendizagem e reforço escolar.
O contato com as famílias foi crucial para o andamento da organização e para a segurança alimentar de muitas delas. Logo no início do isolamento, a WimBelemDon realizou pesquisas para acompanhar como a pandemia as afetou, com o intuito de ajudá-las nos aspectos financeiros e emocionais. Em abril, esse levantamento mostrou que houve uma redução salarial em 48% dos núcleos familiares, e 71% deles relataram que “só tinham dinheiro para o mês”. Por isso, a equipe precisou agir. “Nós nos preocupamos com a vulnerabilidade alimentar. Rapidamente, fizemos uma aquisição de cestas básicas para doação”, conta Cristiano. Diante desse cenário, participaram de uma campanha virtual, a “Combate Covid”, para arrecadar mais recursos.
Toda a verba é revertida para a aquisição de cestas básicas e kits de higiene pessoal a famílias com dificuldades financeiras em Porto Alegre. Até fevereiro de 2021 já foram entregues mais de 16 toneladas de alimentos a 530 famílias. Além disso, a WimBelemDon entregou cartões-alimentação no valor de 60 reais, recarregados mensalmente, como forma de incentivar o comércio local e realiza eventos beneficentes, como o “Ué?! SOPA!”, nome inspirado no US Open, torneio estadunidense de tênis.

Portas abertas
Logo no início, o tênis não chamou a atenção de Jaleska Mendes, então com nove anos. A vontade de participar da WimBelemDon veio somente depois de ver a participação de seu irmão mais velho. Assim, desde 2004 a organização é parte fundamental da vida da jovem de 25 anos, hoje professora de educação física na instituição. “A WimBelemDon é a minha vida, minha segunda casa. Formou meu caráter e quem eu sou”, ressalta. Não é à toa, já que foram 16 anos de muitas descobertas e “viradas de chave”, como ela costuma dizer. Da vontade de ser jornalista esportiva à sua atual profissão, Jaleska conta que muitas oportunidades vieram dali, como o curso de arbitragem, que permitiu que ela participasse de grandes torneios, inclusive dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. “Sempre digo que a WimBelemDon abre muitas portas e não te empurra para elas, mas as deixa disponíveis se você as quiser”, enfatiza.

Jaleska se formou com uma bolsa de estudos na universidade em 2019, mas nunca saiu da WimBelemDon. Foi estagiária e segue como professora. Ela afirma que é uma forma de transmitir a outras pessoas tudo o que aprendeu. “Assim como muitos foram referência para mim, que com carinho e amor tornaram minha trajetória mais fácil, quero proporcionar isso a meus alunos”, comenta.
A relação com as crianças é de abraços, compreensão e apoio. Ela é capaz de identificar com um olhar se alguma criança não está bem. Em todas as oficinas, o fio condutor para as atividades são atributos de psicologia. Os alunos aprendem e exercitam sobre sentimentos, como empatia, tolerância, perseverança e amor, e isso os torna mais sensíveis ao mundo. Algo que Marcelo observou nos jogadores de tênis durante sua carreira de fotojornalista e fez questão de levar à sua proposta de organização.

Antecipando o próximo movimento
Instituição investe no desenvolvimento institucional, reúne em livro os seus 20 anos de história e organiza novas estratégias

Histórias como a de Jaleska e sua trajetória na OSC WimBelemDon agora podem ser lidas no livro que comemora os 20 anos da organização. Por meio de depoimentos de professores, colaboradores e ex-alunos, o livro procura trazer um relato sobre os desafios e conquistas dessa organização da sociedade civil. Os primeiros rascunhos da linha do tempo foram feitos durante as consultorias do programa Missão em Foco, do Itaú Social. O trabalho teve início em 2019, com orientação de Fabiana Toyama e Pilar Cunha, da Lemniscata Consultoria. Durante uma imersão de três dias, gestores e educadores da OSC participaram de dinâmicas para repensar processos de desenvolvimento institucional e resgatar a trajetória da iniciativa. Foi nessa experiência que Marcelo Ruschel, fundador e superintendente da WimBelemDon, identificou a necessidade de registrar as histórias contadas por gestores, educadores e ex-educandos que construíram a OSC. “No momento em que eu fui ouvindo as histórias na perspectiva de Jaleska, por exemplo — que já foi aluna da WimBelemDon e hoje é uma das professoras —, percebi que aquelas narrativas precisavam ser contadas e registradas para chegar a mais gente”, recorda-se Marcelo. “Antes disso, eu tinha receio de que, se escrevêssemos um livro, estaríamos fazendo promoção pessoal.”
O aprendizado com a consultoria técnica do Missão em Foco teve várias repercussões no desenvolvimento institucional da OSC. “Decidimos utilizar o recurso disponível para investir na contratação de um gerente de projetos. O programa nos deu certa segurança para fortalecer institucionalmente a WimBelemDon”, conta Marcelo. A organização também procurou revisar seu Plano de Desenvolvimento Estratégico (PDI) e alinhar a missão, a visão e os valores da instituição com os gestores e educadores. Foi feita ainda a revisão da descrição de cargos e de outros processos internos. Como parte desse movimento, em janeiro de 2021 a OSC passou a utilizar uma plataforma de gestão de pessoas, para otimizar as trocas entre os colaboradores e impulsionar feedbacks.