

Por Livia Piccolo, Rede Galápagos, São Paulo
O que torna sua família especial? Essa é a pergunta que abre o livro Uma família é uma família é uma família, de Sara O’Leary, ilustrado por Qin Leng. A questão é apresentada pela professora, em sala de aula, e os alunos e alunas começam a falar sobre suas famílias. Uma garota conta que suas duas mães são excelentes cantoras e, quando decidem fazer música, chamam a atenção do prédio todo. Outra criança diz que mora com a avó, e é por isso que todos acham que ela é a sua mãe. Alguém conta que “numa semana a mamãe me pega. Na outra, é o papai. Trato é trato”. A autora também aborda famílias que adotam, famílias inter-raciais e famílias formadas por pessoas com deficiência.
Os núcleos familiares podem ter arranjos diversos, e o livro de Sara O’Leary consegue passar a mensagem de que existe amor e carinho em todos os formatos possíveis. Quando li a obra pela primeira vez com o Raul, meu filho de sete anos, ele ficou intrigado em algumas páginas; reparei que seu olhar curioso queria saber um pouco mais. “Temos um bebê novo em nossa casa. Acho que a mamãe o encomendou pela internet”, diz uma das personagens. Raul me perguntou se dava para pedir bebês pelo computador e, a partir desse questionamento, comecei uma conversa com ele sobre famílias em que o bebê cresce fora da barriga da mãe. Autora e ilustradora mostram a diversidade familiar com leveza, beleza e respeito, o que ajuda a criança a percebê-la com respeito também.
O livro Drufs, de Eva Furnari, ganhou o prêmio literário da Biblioteca Nacional em 2017 (categoria Literatura Infantil), além de ter sido vencedor no 59º Prêmio Jabuti, uma das premiações mais respeitadas do Brasil. O tema da diversidade familiar também é central em Drufs; oferecendo um projeto gráfico único, a visualidade singular de Drufs torna a experiência de leitura muito divertida. Eva Furnari tirou fotos de seus próprios dedos para usá-los como personagens.
Os Drufs são seres parecidos com os humanos, só que menores. A primeira personagem a aparecer é a professora Rubi. Ela pede aos alunos que tirem uma foto de sua família e escrevam uma ou duas coisinhas interessantes sobre ela. Segundo a professora Rubi, podem ser “detalhes dramáticos, problemáticos, patéticos ou poéticos”. Rubi achou tão adorável o resultado dessa tarefa que guardou com carinho os trabalhos de seus 16 alunos, todos eles com nomes pra lá de divertidos: Tusto, Zizi, Fifi, Pipoco, Tico, Biju, Veifou, Dô, Dinho, Tufo, Grebs, Elezbet, Tule, Tatinca, Nhifi e Nii.

A família Zum é narrada pelo menino Dô Zum: “Minha família tem três pessoas, contando eu e descontando o meu pai, que já morreu. No ano que vem vai ter quatro pessoas de novo, porque minha prima do interior vem morar com a gente”. O pai de Dô Zum era palhaço e trabalhava no circo. Já na família Brong, o pai se chama Frosktrung Brong e sua profissão é coisólogo. Grebs, o filho, conta que o pai “estuda as rebimbocas e parafusetas. Um trabalho trabalhoso, dificultoso, minucioso. Ele analisa objetos raros e intrigantes. Nomeia, classifica e procura explicar para que servem”. Enquanto eu e Raul olhávamos as fotos da família Brong, soltei uma risada quando o personagem diz que “o lema do meu é: para que simplificar se podemos complicar?”. Eva Furnari escreve com bom humor, o que faz com que os adultos também se divirtam durante a leitura. Klaun, Tabelo Blu e Padoca são algumas das outras famílias do livro, cada uma com suas peculiaridades e curiosidades.

Drufs é um livro imaginativo e fortemente lúdico. Está à altura dos prêmios que recebeu, pois arranca risadas de adultos e crianças e é dos raros livros infantis que despertam a vontade de reler diversas vezes. Além disso, o livro serviu de estímulo para que Raul e eu conversássemos sobre as profissões dos adultos e as famílias que não têm pai ou mãe.
Para muitas crianças — e adultos também! — os animais de estimação fazem parte da família. Especialistas em educação infantil, educadores parentais e pediatras falam sobre os benefícios de adotar um animal e, ao longo do tempo, de ensinar a criança a cuidar dele. Eu quero um cachorro, de Jon Agee, aborda o tema da família que se forma com a chegada de um animal. O trunfo do livro é a forma divertida e pouco óbvia escolhida pelo autor para conduzir a história até seu desfecho.
A protagonista é uma garotinha que vai até o abrigo de animais Vale Feliz. Ela espera encontrar um cachorro. Porém, o responsável pelo abrigo, em vez de mostrar os cachorros, oferece uma doninha, um tatu e um tamanduá. Após o protesto da menina, ele aparece com uma serpente, um peixinho de aquário e um lagarto vestido de cachorro! “Você pode treiná-lo para dizer au-au”, o adulto fala.
A menina responde que não deseja treinar o lagarto, só quer um cachorro que seja de fato um cachorro. Afinal, “um cachorro é fiel, amoroso, inteligente, fofinho, engraçado, corajoso… e é o melhor amigo que alguém poderia ter na vida”.
Quando o dono do abrigo de animais assume, finalmente, que ele não tem nenhum cachorro, a menina se decepciona. Entretanto, ele faz uma última tentativa, mostrando a ela uma foca. Quando ela olha para a menina, tudo muda. A garota decide ficar com a foca! Leva-a para sua casa, coloca-a na piscina e conclui, feliz, que os cães são superestimados.

Depois de ter visto todos os animais do abrigo e acompanhado a frustração da garota, Raul concordou que a foca parecia adorável e ela devia mesmo levá-la para casa. Mesmo sabendo que ela precisa comer nove quilos de peixe por dia!
Jon Agee escreveu uma história com camadas. A primeira delas é a do amor da menina pelos animais e a vontade de que sua família possa contar com a presença de um bichinho. A segunda camada de significado é a de que nem sempre as coisas saem conforme o planejado. Aprender a lidar com as frustrações é uma aprendizagem valiosa para crianças e jovens; todos nós precisaremos lidar com diversas frustrações durante a vida. Se pudermos contar com o apoio da família nessa jornada, tudo fica melhor e mais fácil.
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