

Por Livia Piccolo, Rede Galápagos, São Paulo
A arte, nos diversos processos de aprendizagem, é uma ferramenta poderosa. A pintura, a dança, o teatro e a música podem unir mente e coração, abrindo portas para a construção de conhecimentos que vão reverberar por uma vida inteira. Especialistas na área de pedagogia e artes explicam que a criança tem, por natureza, um impulso imitativo que busca reproduzir o que ela enxerga no mundo. Para, assim, compreender melhor tudo o que a cerca. A criança também deseja tocar as coisas, sentindo o mundo material, suas texturas e temperaturas. Vale ressaltar que ela não faz isso somente como brincadeira, mas sim como um estudo sério que desempenha com alegria e concentração. Ao perceber os limites dos materiais e as especificidades das formas, ao errar e experimentar, a criança começa a criar. O papel do professor, então, é ser um facilitador e um incentivador da produção artística, mostrar o mundo e suas inúmeras possibilidades.
Impacto positivo
Como se dá o ensino das artes no grupo das crianças e jovens com deficiência? Ainda não há muitas respostas a essa pergunta, pois são poucos os estudos atualizados que abordam o tema.

Contribuições da Arte ao Atendimento Educacional Especializado, pesquisa realizada por Libéria Rodrigues Neves, professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2017, fornece algumas informações importantes.
A pesquisadora elege três experiências distintas como objeto de estudo, a saber: 1) uma oficina desenvolvida na organização da sociedade civil (OSC) Nosso Sonho (SP), reunindo seis crianças com paralisia cerebral; 2) um livro que sistematiza 15 anos de trabalho do Instituto Rodrigo Mendes (RJ), que desenvolve projetos em arte-educação para sujeitos com e sem deficiência; e, 3) o trabalho da OSC Corpo Cidadão, que, em uma de suas unidades de educação social, desenvolve oficinas de arte com alunos de escola especial juntamente com alunos de escolas regulares, na Grande Belo Horizonte (MG).
Por meio da análise das experiências, Libéria Rodrigues Neves relata: “Percebe-se a efetividade nos processos de desenvolvimento e de aprendizagem desses sujeitos (…). Tal efetividade reside na oportunidade da educação em arte, uma área de conhecimento com foco mantido sempre no sujeito, em suas potencialidades, e não na deficiência. O fazer e fruir arte nos convoca à criação e à imaginação, a partir da ampliação de nossas experiências — individuais e coletivas.” O foco no sujeito — indivíduo que é muito mais do que sua deficiência — parece ser uma das principais chaves para compreender o impacto positivo das artes no grupo das crianças e jovens com deficiência.

Foco no potencial criativo
Nicole Alcebíades de Oliveira é professora de educação artística em uma escola municipal de São Paulo (SP) e dá aulas do 1º ao 9º anos do ensino fundamental. Ela relata algumas das possibilidades do ensino de artes para seus alunos com deficiência. Um dos casos que mais chamaram sua atenção foi o de um aluno do 9º ano, autista.
Matriculado previamente em uma escola particular, foi transferido para a rede pública por causa do bullying e discriminação que sofria na escola. “A família veio com a ideia de que a escola pública é ruim e faria mal a ele, mas observou, na prática, o contrário. Fizemos um trabalho sobre mitologia grega em que primeiro os alunos precisavam fazer uma pesquisa; depois, alguma construção visual, como um desenho ou uma colagem.” A professora conta que seu aluno se saiu muito bem, pois o interesse por culturas antigas e por pesquisa impulsionou-o na aula. “Ele fez uma pesquisa excelente e ótimos desenhos.”
Outro caso relatado pela professora é o de uma aluna com paralisia cerebral. Ela é cadeirante e tem dificuldades para escrever e falar. Porém, é capaz de entender tudo. “A aluna também estava no 9º ano, período em que trabalho bastante com teatro; fiquei sem saber direito o que propor a ela. Quando eu dividi os grupos para que fizessem as cenas, disse a eles que a aluna precisava participar. Eles precisavam incluí-la na cena, e essa regra era fundamental. E foi surpreendente como deu certo! Eu me lembro especialmente de uma cena bem divertida em que eles simularam uma luta e ela fazia parte da torcida.

A aluna conseguia se manifestar, gritando alto como uma torcedora, se mexendo e se envolvendo na cena. Ela participava do jeito dela e o grupo a acolhia.”
Pessoas com deficiência, por circunstâncias diversas, são excluídas dos processos sociais. O encontro com a arte pode ser uma grande oportunidade para que se conheçam melhor e ampliem suas possibilidades de expressão. Não é a deficiência que ganha o foco, e sim as potências de criação que o indivíduo apresenta. As artes abrem caminho para o desenvolvimento integral da criança e do jovem.
A arte une as pessoas
Katia Capinan Rubens é mãe de Davi, de oito anos. Ela conta que seu filho é o único deficiente visual total na rede municipal de sua cidade, Mogi das Cruzes (SP). Ele ainda não tem aulas de artes na escola e, por isso, Katia Capinan foi procurar outras possibilidades. “O Davi ganhou uma bolsa de estudo em uma escola regular de música. Desde que as aulas começaram, antes da pandemia, ele se desenvolveu muito.” Ela conta que o professor precisou ir atrás de partituras em braile e outros métodos de ensino, mas desde o começo as aulas surtiram muito efeito.
“A comunicação do Davi melhorou; e o professor disse que ele tem ouvido absoluto, com muita facilidade para perceber as notas.” Katia Capinan procurou colocar Davi em atividades musicais desde cedo. Na instituição Laramara ele participou de brincadeiras musicais e, na escola, sua mãe pediu à coordenação que ele pudesse participar da banda (uma das atividades extracurriculares da instituição), cantando ou somente escutando.

“A música sempre foi importante na minha casa. Ela alegra e une as pessoas.” Em tempos de incerteza e dificuldades, as artes devem ser celebradas e incentivadas, pois, entre outros aspectos, permitem aos sujeitos se conectarem com sua criatividade e sensibilidade. Poder público, privado e sociedade civil devem se engajar na valorização e acesso às artes, para todos e todas.