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A ajuda fundamental dos livros para a consciência ambiental de crianças e adultos

Conversar sobre questões climáticas com as crianças é possível — e desejável


Olhos atentos durante a leitura de O cão e o curumim, de Cristino Wapichana. Foto: Arquivo pessoal

Por Livia Piccolo, Rede Galápagos

Estranhas criaturas, escrito pelo chileno Cristóbal León e ilustrado pela artista venezuelana Cristina Sitja Rubio, começa com uma voz narrativa bem única: “Era um verão tedioso. Até o dia em que esbarramos em um curioso aviso”. A história é narrada no plural, pelos animais da floresta, e o aviso pregado em um tronco de uma árvore diz “festa”. Durante a festa os animais dançam, comem e se divertem. Ao voltarem para suas casas, percebem que algo estranho aconteceu. As árvores foram cortadas e os alimentos foram todos retirados do solo; eles não têm como se abrigar ou comer. 

A escolha pela voz narrativa no plural gera um efeito muito forte durante a leitura, passando a mensagem de que, quando a floresta é desmatada, as consequências são sentidas por um coletivo de seres, e não apenas por uns poucos indivíduos. Acredito que uma das portas de entrada para a consciência em relação à crise climática é justamente esta: não se trata de um problema de um ou outro país, de um ou outro sujeito, e sim de todos. Se os mais privilegiados acham que podem contornar a crise e se proteger a partir de seus próprios recursos, estão enganados, pois precisam de água potável e ar limpo, assim como todos os outros. 

Quando os animais percebem que foram os humanos que cortaram as árvores, resolvem dar a eles o nome de “estranhas criaturas”. E, ainda, bolam um plano para recuperar suas casas. Como as estranhas criaturas são ferozes, os animais da floresta contam com a ajuda de alguns amigos inusitados, os animais domésticos. O plano dá certo e o final da história é positivo, oferecendo uma rajada de esperança. As estranhas criaturas humanas ainda podem, quem sabe, perceber que devastar a floresta não é um bom caminho. 

Finalizada a leitura, perguntei ao Raul o que ele tinha achado da história. Sua resposta me pegou de surpresa; mais direta impossível: “Não pode derrubar árvore, ué”.

Além da voz narrativa no plural, outro ponto forte do livro são as ilustrações que preenchem a página toda. Com Raul ao meu lado, fiz uma leitura vagarosa, procurando detalhes escondidos em cada página. Notamos o cervo de rosto confuso, os passarinhos nas costas da raposa e os corvos com luvas na boca. A capa do livro, inteiramente verde, mostrando árvores frondosas e exuberantes, inunda os olhos com o frescor da mata. A história é curta e pode ser lida com crianças de qualquer faixa etária; a partir da curiosidade e da idade das crianças, é possível aprofundar a conversa sobre conservação ambiental e cuidado com os animais. 

Cena da história em que os animais encontram suas casas cortadas e empilhadas, em Estranhas criaturas, de Cristóbal León. Foto: reprodução
Um dos animais da floresta é o cervo. Raul ficou intrigado com seu rosto um pouco confuso diante das árvores cortadas. Foto: reprodução

Escritor, contador de histórias e músico, Cristino Wapichana é uma das vozes indígenas mais importantes na literatura brasileira contemporânea. O povo Wapichana mora nas serras de Roraima e há alguns anos, em entrevista ao Sesc São Carlos, o escritor disse que, para os povos indígenas, “as histórias existem para que tudo seja justificado; e cada povo tem sua forma de criação e narração do mundo”. Os Wapichana, por exemplo, vêm do Sol e da Lua. Sem história, portanto, um povo não existe, uma vez que elas justificam por que as coisas são como são. As narrativas escritas por autores indígenas fornecem uma representação do mundo bastante singular, evidenciando a ancestralidade dos seres e de tudo o que existe.

O cão e o curumim, publicado por Cristino Wapichana em 2018, é uma história longa, dividida em três partes e ilustrada pela artista Taisa Borges. O narrador é um menino que está se preparando para tornar-se guerreiro. Ele narra seu entorno e um dos pontos fortes do livro é a delicadeza com que somos apresentados ao céu, à árvore anciã do jatobá, ao pé de cajá, à anta, à chuva e a outros diversos seres viventes. Quando a avó do menino entra em cena, ela logo diz: “Sabe, meu neto, não estamos sozinhos no mundo. Olhe para esta árvore e para o chão que você pisa. Somos feitos de uma pequena parte de tudo o que nos cerca. Não podemos nos esconder. Tudo nos vê. Estamos ligados com todos os seres pela terra, pela água e pelo ar… Dependemos deles para continuarmos no mundo, e eles dependem da gente. Não somos mais importantes que eles nem eles mais importantes que nós”. 

Pássaros, feras da floresta, árvores e um cão chamado Amigo são os personagens da narrativa de Cristino Wapichana. Através de uma linguagem cristalina, que faz brotar das páginas cheiros e sons, o leitor pode mergulhar no cotidiano do curumim de oito anos, o menino indígena. Há muitas cenas cheias de beleza e ação e percebi que algumas delas chamaram a atenção do Raul, em especial quando o curumim escuta sons na mata e prepara sua zarabatana, à espera de uma onça. 

Os povos originários se relacionam de forma profundamente respeitosa com a natureza e suas narrativas têm o poder de mostrar o mundo animal, vegetal e mineral com muita riqueza descritiva. “Amigo não gostava nada dos trovões, e nós, menos ainda. Quando a noite chegava antes de o Sol partir, as trovoadas e chuvas vinham acompanhadas dos assobios dos ventos frios. Amigo ficava deitado embaixo da minha rede e passava toda a noite ali.” Acompanhamos o dia a dia do curumim e sua família a partir do modo como todos os seres se relacionam e escutam uns aos outros.

Ilustração de Taisa Borges para O cão e o curumim, de Cristino Wapichana. Imagem: arquivo pessoal

O livro oferece uma experiência imersiva na aldeia Wapichana e as ilustrações cheias de cores de Taisa Borges trazem uma camada complementar de sentido. “A vida é linda, meu neto, por isso todos os seres se apegam a ela com todas as forças”, diz a avó. É justamente esta a sensação que o livro oferece: a percepção da beleza intensa de tudo o que é vivo e está ao nosso redor. 

O cão e o curumim é uma leitura para ser feita lentamente, algumas páginas a cada noite, antes da hora de dormir, preferencialmente com crianças acima de cinco anos, que já possam conversar com seus cuidadores sobre suas percepções dos eventos da história.

Já o livro Quem vai salvar a vida?, de Ruth Rocha, traz uma história didática e leve com a qual diversas famílias brasileiras podem se identificar. O protagonista é um menino que, aos poucos, começa a mostrar para seus pais, Wenceslau e Shirlei, o que é, de fato, cuidar do planeta e do meio ambiente. Quando ele conta que está estudando o meio ambiente nas aulas de ciências, o pai logo explica que é um grande defensor do planeta, mostrando o adesivo que ele pregou no vidro do carro dizendo “Defendam o meio ambiente!”. O pai enche o peito para se declarar um defensor do planeta ao mesmo tempo que joga as bitucas de cigarro pela janela do carro. 

Wenceslau e Shirlei começam a escutar o filho e percebem que podem colocar em prática diversas atitudes sustentáveis: tomar banhos mais curtos para economizar água, não deixar lixo espalhado na praia, recolher as fezes do Trovão — o cachorro da família — e separar o lixo reciclável do orgânico. Ao final da história, Shirlei diz que “Meio ambiente é o lugar onde a gente vive, seja o planeta, seja a casa, seja o quintal”. Wenceslau, após ganhar consciência, decide até parar de fumar para não poluir o ar da casa e também seu próprio corpo.

As ilustrações de Quem vai salvar a vida?, do artista Alcy, propõem uma estética divertida, mostrando os adultos de olhos arregalados diante dos questionamentos das crianças. O livro é uma ótima pedida para uma leitura em família, pois pode chacoalhar os adultos que acreditam ser defensores do planeta. Assim como o adesivo de Wenceslau significa, na prática, bem pouco, compartilhar um post nas redes sociais ou replicar uma mensagem de “Salvem a floresta” nos grupos de família não é suficiente. É preciso mais.

Conhecendo os animais do cerrado brasileiro com o livro Júnia e a loba. Imagem: arquivo pessoal

Júnia e a loba, de Afonso Capelas Jr. com imagens de Rubens Matuck, traz como protagonista uma menina que, apesar de ter crescido na cidade grande, é uma grande amante da natureza. Curiosa e tagarela, Júnia vai passar as férias na fazenda do Tio Augusto, no oeste de Minas Gerais, ao lado do famoso Parque Nacional da Serra da Canastra. Junto com seu primo Lucas, Júnia encontra Gutim, um rapazinho do interior que tem um jeito mineiro de falar e conhece todas as nascentes, bichos e cachoeiras da região. 

Como uma típica garota urbana, Júnia adora mirar seu celular para fotografar pássaros e detalhes da paisagem mineira. Gutim sabe das coisas, pois, além de conhecer plantas e animais, é ele quem conta aos primos da cidade grande quem foi Chico Mendes, seringueiro da Amazônia que defendeu a causa ambiental. Por causa da sua luta, acabou assassinado por fazendeiros que desmatavam a floresta. 

No dia em que Júnia, Lucas e Gutim visitam a Serra da Canastra, os três passeiam pelos córregos, observam o tamanduá-bandeira e enfrentam uma tempestade pra lá de forte. As belezas e perigos do cerrado brasileiro são apresentados para o leitor através das aventuras dos três personagens. Um dos pontos altos da narrativa é quando Júnia encontra uma loba-guará e passa a se comunicar com ela. A loba acabará por ajudar Júnia e Lucas a sair de uma encrenca em que os dois se metem. Além disso, é a loba quem conta a Júnia sobre as mudanças do cerrado. “Todos esses alimentos não estão à disposição como antes. Então, temos que percorrer distâncias maiores para encontrá-los”. 

Afonso Capelas Jr. é jornalista e escritor especializado em meio ambiente, ecologia e sustentabilidade e seu livro Júnia e a loba é uma grande homenagem ao Parque Nacional Serra da Canastra. Raul, nascido na cidade grande assim como Júnia, mal vê a hora de conhecer de perto uma loba-guará. E, quem sabe, ouvi-la e conversar com ela.

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