

Por Paula Salas, Rede Galápagos, São Paulo
“Anísio Spinola Teixeira (1900-1971) elegeu a luta pela educação e a defesa da escola pública como focos de trabalho e propósito da sua vida”, resume Clarice Nunes, professora titular de história da educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O educador brasileiro via a educação como o caminho para uma verdadeira transformação social para construir uma sociedade com mais equidade. “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”, escreveu Anísio Teixeira na década de 1930.
Ele defendeu a democratização do acesso universal à educação. “Valorizava a aprendizagem ativa, em que os alunos fossem incentivados a explorar, questionar e construir conhecimento por meio de experiências práticas e investigativas. Via a escola como um espaço de descoberta e criatividade”, diz Maria Cristiani Gonçalves, doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em educação integral e história e filosofia da educação.
“Uma escola que, além das salas regulares, contasse com bibliotecas, laboratórios, espaços de atividade física e recreação, um currículo de cultura geral, artes, atividades de trabalho. Uma atmosfera de ensino em constante diálogo com a pesquisa”, complementa a professora da UFF.
As instituições tinham de promover um ensino contextualizado, em diálogo com a realidade dos estudantes, de forma a tornar a aprendizagem mais significativa. “Buscava um modo de ensino eficiente, da escola à universidade. [Por isso, defendeu] a importância da melhoria da formação docente, da ampliação dos recursos materiais das escolas, do serviço de bibliotecas, da avaliação do sistema de ensino”, exemplifica Clarice.
Quem foi Anísio Teixeira e principais contribuições
Nascido no sertão da Bahia, mais especificamente em Caetité, o educador formou-se em direito na Universidade do Rio de Janeiro, em 1922. Apenas dois anos depois, entrou para a vida pública na Bahia. Posteriormente, voltou para o Rio de Janeiro, onde dirigiu a Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal entre 1931 e 1935. Durante esses anos participou ativamente de importantes reformas na área da educação pública.
“Foi um dos fundadores da Escola Nova e signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que enfatizou a importância da aprendizagem ativa, da participação dos alunos e da contextualização do ensino”, explica Maria Cristiani.
As ideias defendidas pelo grupo do qual Anísio fazia parte eram inspiradas no pensamento do educador e filósofo norte-americano John Dewey, conhecido pela defesa da democracia, por estimular o pensamento crítico dos estudantes e por uma abordagem de ensino voltada para a investigação. “[Anísio Teixeira] escolheu a obra de Dewey, de quem seria o primeiro tradutor no país, como bússola para lidar com a educação. Abriu-se ao pensamento científico, apostando na crença de que o enraizamento e as direções da mudança social a favor da democracia estavam postas na infância”, ensina Clarice.
O educador brasileiro era crítico da perspectiva da educação como transmissão de conhecimentos, baseada na memorização e repetição. “Ele propunha uma educação mais flexível e centrada no aluno, que estimulasse a participação ativa, a experimentação e a busca pelo conhecimento de forma significativa. Além disso, defendia a importância de uma educação inclusiva, que não discriminasse os alunos com base em suas origens socioeconômicas, étnicas ou culturais”, diz Maria Cristiani.
Após um tempo afastado de cargos públicos, em 1947, assumiu a Secretaria de Educação e Saúde da Bahia até 1951. Um dos principais legados desse período foi a construção do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro (conhecido como Escola Parque), que era um projeto pioneiro de educação integral ao reunir em um mesmo espaço atividades escolares com propostas artísticas e sociais — também eram disponibilizados atendimento médico, alimentação e cuidados com a higiene. “A instituição visava criar um ambiente de aprendizagem que valorizasse os interesses individuais dos alunos, promovesse a participação ativa, estimulasse a criatividade e buscasse a formação de cidadãos críticos e conscientes”, explica Maria Cristiani. “Hoje temos mais projetos parecidos com a proposta da Escola Parque, porém ainda há muitos que não conseguiram sequer se assemelhar a ela”, complementa Gonçalves. A iniciativa ganhou destaque nacional e levou Anísio Teixeira ao Ministério da Educação, na década de 1950, onde, entre outras funções, foi diretor do Inep (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos). E participou ativamente da discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961.
Anísio também trabalhou em prol da qualidade do ensino superior, durante sua passagem pelo MEC. “A trajetória do educador em defesa da universidade pública e de instituições públicas de pesquisa ou de financiamento a ela, como Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes), que sob a sua condução se transformou em órgão, tem implícita a convicção de que não há país capaz de sobrevivência digna sem instituições como a universidade, aptas a produzir conhecimentos e propor soluções próprias de questões que o afligem”, diz Clarice.
Em 1964, após o golpe militar, afastou-se dos cargos públicos e passou uma temporada fora do Brasil. Ao retornar ao país, passou seus últimos anos trabalhando como tradutor e dedicado a suas próprias obras. Morreu aos 70 anos, em 1971, em circunstâncias até hoje não esclarecidas.
Legado do educador
Para Maria Cristiani, o pensamento de Anísio Teixeira dialoga com os desafios atuais. “Ele colocava o estudante no centro, considerava suas vivências e experiências e buscava desenvolver o protagonismo de cada um; todas essas questões nunca saíram da pauta do dia.”
“A escola de Anísio Teixeira multiplicou seus espaços educativos internamente e irradiou sua atividade pedagógica pelas ruas, pelas rádios e cinemas educativos, com a finalidade de atender melhor às necessidades das crianças e adolescentes brasileiros e aos valores de uma sociedade moderna. Nos dias atuais, essa educação certamente incluiria o domínio digital e a capacidade de busca de informações confiáveis, exigindo discernimento, capacidade de pesquisa e análise de dados qualitativos e quantitativos”, exemplifica a professora da UFF de como suas ideias se traduziriam para discussões atuais.
Os projetos educacionais que desenvolveu durante sua vida não tinham a pretensão de ser um modelo a ser seguido à risca, mas uma possibilidade. “As ideias de Anísio Teixeira não foram apenas ‘bandeiras’. Foram ideias instituintes com o propósito de criar uma nova configuração política e social. Ele nos mostrou que a educação para todos os brasileiros é não só desejável, mas possível”, defende Clarice.
Seu pensamento influenciou, e continua influenciando, a educação brasileira. Desde a sala de aula com a ideia da aprendizagem ativa, para que os alunos possam explorar seus interesses e desenvolver suas habilidades de maneira integrada, até as políticas públicas que buscam garantir o acesso a um ensino público, gratuito, democrático e de qualidade, que contribua para a formação integral de todos.
“Anísio Teixeira conjugou, como poucos educadores, as habilidades de pensar e realizar. Sua militância pela educação popular de qualidade está expressa em seus livros e artigos. Todos os seus trabalhos escritos têm a unidade de uma filosofia democrática coerente. São documentos de crítica e ação. Anísio sabia que as leis tornavam possíveis as reformas, mas não as concretizavam. Elas se realizavam pela mudança da mentalidade da sociedade e pelo preparo dos professores e dos quadros técnicos”, afirma Clarice Nunes, que também indica seis obras do próprio educador para conhecer sua filosofia:
- Educação no Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1969.
- Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994.
- Educação é um direito. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996.
- A educação e a crise brasileira. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2005.
- Educação para a democracia. Introdução à administração educacional. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2007.
- Pequena introdução à filosofia da educação. A escola progressiva ou a transformação da escola. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2007.
Saiba mais
- Biblioteca Virtual Anísio Teixeira | Anísio Teixeira: estadista da educação, de Hermes Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
- Anísio Teixeira e a educação brasileira: da formação intelectual aos projetos para a escola pública, 1924-64, de Márcia Cristina Soares Cabrera de Souza
- Anísio, Anísios Teixeira: um educador no Museu do Homem do Nordeste, organizado por Edna Silva e Silvia Paes Barreto
- Anísio Teixeira. Coleção Educadores MEC, de Clarice Nunes
- A leitura, a compreensão do mundo e a democracia
- JOSÉ EUSTÁQUIO ROMÃO — Para ler o mundo com seus próprios olhos