

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador (BA)
O município de Itiúba está localizado “no coração” do sertão baiano, como dizem os moradores. Por causa do clima semiárido, a população sofre com a escassez de chuvas, potencializada pela insuficiente infraestrutura para captação e tratamento da água. A pouca disponibilidade de recursos hídricos prejudica a produção agropecuária de pequeno porte, a principal atividade econômica da região. “Mais de 65% das famílias rurais de Itiúba vivem com menos de um salário mínimo”, estima a ativista social Maria Mercedes.
Todo o contexto tem feito com que algumas pessoas, sobretudo as mais jovens, busquem migrar para cidades mais desenvolvidas. “A saída dos jovens significa o envelhecimento da população local e, consequentemente, a diminuição das alternativas econômicas e sociais para o município”, relata Mercedes, que é responsável pelo Lar Santa Maria, organização da sociedade civil (OSC) voltada à assistência social com sede em Itiúba. Com apoio do Itaú Social, por meio do Edital FIA, a instituição está realizando um diagnóstico da situação de crianças e adolescentes do município.
O Edital FIA é parte do programa IR Cidadão, do Itaú Social, que estimula os colaboradores do Itaú a destinar parte de seu imposto de renda devido aos Fundos da Infância e da Adolescência (FIAs). O objetivo é apoiar projetos que atuem para assegurar direitos de crianças, adolescentes e suas famílias nesse contexto. Já no preenchimento da declaração do imposto de renda, qualquer contribuinte pode destinar até 3% de seu imposto de renda devido aos FIAs, ação que também é incentivada pelo Itaú Social.
O diagnóstico
Apesar do nome, o Lar Santa Maria não funciona como um espaço onde crianças e adolescentes moram. Isso acontecia quando a casa funcionava em outros municípios, no estado de São Paulo, antes de se instalar finalmente em Itiúba, em 2008. “Mantivemos o nome porque consideramos que ser casa da juventude é muito importante”, explica Maria Mercedes. O lema também foi preservado: “Construir pontes de solidariedade e paz para erguer a vida”.
Atualmente, a organização oferece serviços de assistência social e formação, principalmente voltados ao público jovem e ao desenvolvimento da economia local. Aqueles com mais de 18 anos podem, por exemplo, fazer um curso de energias alternativas. “Temos a fonte de energia mais rica do Brasil. Estamos no sertão e temos sol quase todos os dias nos nossos telhados. Queremos que as comunidades rurais aprendam a utilizá-la.” Outras ações do Lar são o curso de pilotagem de drones, para amenizar os riscos relacionados à não demarcação das terras rurais, e a construção de um fundo de equipamentos de informática, para disponibilizar equipamento e acesso à internet a quem precisa estudar.
Muita coisa ainda precisa ser feita em Itiúba para que o município passe a ser atrativo para os próprios moradores. No entanto, quem tinha vontade de planejar intervenções esbarrava na ausência de dados atualizados, já que as informações mais recentes que estavam à disposição eram do último Censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. Com a pandemia e a maior urgência por estatísticas efetivas, o Lar resolveu elaborar o Diagnóstico da Situação Social e das Violações de Direitos da Criança e do Adolescente no Município de Itiúba.
“Está sendo um trabalho muito bonito. O diagnóstico está sendo realizado por um grupo de jovens que passaram pelo Lar e hoje se encontram na faculdade”, diz com orgulho Maria Mercedes, destacando que eles geralmente precisam ir até Senhor do Bonfim, a 100 quilômetros de Itiúba, para estudar. Na reta final, a primeira fase do projeto consiste na aplicação de questionários. O primeiro deles, destinado a adolescentes com idade entre 13 e 18 anos, chegou a 1.753 entrevistados, ou seja, 100% das pessoas da faixa etária pretendida.
A escolha por jovens que conhecem de perto o trabalho do Lar Santa Maria facilita um maior engajamento e entendimento da responsabilidade que o trabalho demanda. “Eles têm motivação e consciência social da necessidade de se buscar alternativas para a criança e o adolescente no município.” Um segundo questionário está sendo aplicado, residência por residência. Desta vez, o objetivo é alcançar todas as famílias que têm pelo menos uma pessoa com idade entre 0 e 18 anos.
O diagnóstico tem como objetivo entender estatisticamente as realidades socioeconômica, cultural, de educação e de saúde das famílias. “Perdemos poder aquisitivo; fome e pobreza estão crescendo. Esse é um dado perceptível.” Maria lamenta a dificuldade de reintegração de crianças e adolescentes das comunidades rurais à rotina escolar. Eles ficaram dois anos completamente isolados e sem acesso à educação. Cerca de 23% dos entrevistados relataram situações de trabalho infantil. “Esse é um exemplo de dado que não conseguimos com as famílias, mas está aparecendo espontaneamente nos questionários individualizados dos adolescentes.”
Após a sistematização de todos os dados coletados, será hora de pôr a mão na massa. O cronograma prevê a realização de rodas de conversas nas escolas, com participação de todos os adolescentes. “No momento da aplicação do questionário, eles demonstraram que era muito importante estarem sendo ouvidos. Agora precisamos dar algum retorno e fazer um novo momento de escuta.” Momento semelhante será realizado nas comunidades.
Os números serão apresentados também na Conferência Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Com análises estatísticas em mãos, o Lar Santa Maria pretende ter reuniões com todas as secretarias municipais que compõem o sistema de garantia de direitos. Passados todos os momentos de escuta e as reuniões, será finalmente elaborado um plano de trabalho para promover um futuro com mais oportunidades às crianças e aos adolescentes de Itiúba.