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“Jamais desisto de lutar pelo direito ao transporte escolar adaptado”

Garantir veículos adaptados para o trajeto de crianças e adolescentes com deficiência entre a casa e a escola é a causa da professora Rosalina Gomes em Mato Grosso do Sul


Exemplo de transporte adaptado, como é utilizado em alguns municípios do interior paulista: garantia de transporte escolar para estudantes com deficiência é lei municipal na capital e em mais cinco municípios sul-mato-grossenses, mas ainda depende de investimentos e vontade política para ser implementada. Foto: Arquivo pessoal Comment end  

Por Maggi Krause, Rede Galápagos, de São Paulo

O percurso para garantir o transporte escolar gratuito e adaptado para crianças e adolescentes dos municípios de Mato Grosso do Sul começou em 2019. “Estou quase na metade do caminho”, pondera a professora de geografia Maria Rosalina Gomes, que criou o projeto Transporte Escolar para Alunos com Deficiência com o objetivo de tornar lei municipal essa oferta para o trajeto entre a casa e a escola. Hoje ela não só consegue ser ouvida quando acessa vereadores sobre o tema, como recebeu dois prêmios nacionais Vozes da Mobilidade nas categorias Inclusão e Diversidade e Novas Tecnologias de Mobilidade. 

Quando dava aulas em uma escola da periferia de Campo Grande, Rosalina — que não dirige e com frequência segue a pé para a escola — muitas vezes presenciou famílias se esforçando para levar uma criança com deficiência para as aulas. “Acompanhava uma avó que empurrava a cadeira de rodas por várias quadras, pois o coletivo não era adaptado”, relembra. A postura de indignação aumentou naquela época: “Fala-se tanto em inclusão, mas de nada adianta se é difícil a criança chegar à escola. Achei que eu não poderia ficar de braços cruzados vendo aquela situação e saí em busca de respostas”. 

A primeira pesquisa a levou à lei 265/2010, do estado de São Paulo, proposta pelo atual deputado federal Baleia Rossi, que “autoriza o Poder Executivo a oferecer gratuitamente, aos alunos portadores de necessidades especiais [nomenclatura da época] de sua rede de ensino fundamental, médio, superior e técnico, transporte adaptado às suas carências físicas no trajeto entre suas residências e as escolas que frequentam”. Em seguida, foi conhecer de perto como funcionava um transporte humanizado para o trajeto entre a casa e a escola em Presidente Prudente, no interior de São Paulo. 

Na volta, Rosalina redigiu seu projeto: era 2020, ano de eleição municipal. Em 2021, conseguiu apresentar um projeto a um vereador e obteve a aprovação em oito comissões da câmara de Campo Grande; a lei foi sancionada no mesmo ano. De lá para cá, a professora procurou outros municípios do estado e conseguiu aprovação da lei também em Bandeirantes, Bataguassu, Corguinho, Sidrolândia e Iguatemi. 

“O transporte escolar é o primeiro passo necessário para efetivar o direito à educação, e quando se avaliam as condições das crianças e adolescentes com deficiência, ele ganha ainda mais relevância por enfrentar as dificuldades de acessibilidade”, observa Gabriel Salgado, coordenador de educação do Instituto Alana. “Por isso é importante a rede proporcionar o acesso ao transporte escolar de qualidade, com veículo adaptado e em boas condições, que conte com motoristas e monitores e monitoras com boa formação para que o serviço seja feito com o máximo de cuidado, atenção e zelo com o estudante e sua família”, explica. 

Só a lei não basta
Entre a aprovação da lei e a efetivação do serviço nos municípios, existe um caminhão de empecilhos, e os principais são financiamento e vontade política. Em Campo Grande, são 3.608 alunos o público-alvo da educação especial, segundo a Secretaria Municipal de Educação, que têm sua frequência registrada diariamente nas unidades escolares. E o transporte acontece pela gratuidade do vale-transporte, oferecida ao aluno e seu acompanhante. “Infelizmente, essa oferta não resolve a situação de muitas pessoas, primeiro porque os ônibus de linha não têm mais do que uma ou duas vagas para cadeiras de rodas e há uma série de transtornos que impedem algumas crianças de seguir no coletivo”, explica Rosalina. 

Não resolve, por exemplo, para a mãe que precisa levar a cadeira de rodas de sua casa até a estrada para pegar o ônibus amarelo que faz o transporte rural. Nem para a mãe de uma menina com deficiência visual, que sai diariamente às 5h30 para acompanhá-la até a escola e precisa aguardar, do lado de fora, até o término das aulas, às 11h30, para voltar com ela. “Se houvesse vans e ônibus adequados e com monitores treinados, que buscassem e entregassem na porta de casa, isso não aconteceria”, protesta Rosalina, que recebeu a doação de um ônibus adaptado para o projeto, mas não consegue colocá-lo em funcionamento pois não tem como custear combustível e manutenção, além de não haver pessoal especializado para a oferta do serviço. 

Uma das redes municipais que a professora considera modelar é a de Jundiaí (SP). Lá, o transporte adaptado existe desde 2019 no modelo atual. Em um sistema 100% custeado pelo município, Jundiaí conta com 18 veículos, todos com motoristas e monitores que auxiliam no embarque e desembarque dos atendidos, feitos por meio de rampas para pessoas em cadeira de rodas. Portas laterais e traseiras com abertura ampla facilitam o acesso. A Unidade de Gestão de Administração e Gestão de Pessoas (UGAGP) informou que o tempo para embarcar ou desembarcar gira em torno de dez minutos por atendido. O transporte específico para pessoas com mobilidade reduzida atende 226 passageiros fixos e regulares, além de 110 passageiros eventuais. Em média, são 5.545 viagens mensais, para o atendimento das unidades de Saúde, Educação e Assistência e Desenvolvimento Social. 

Segundo os responsáveis pela contratação do serviço, em Jundiaí os maiores benefícios são aumento na frequência às aulas, o comparecimento a consultas e o acompanhamento educacional ou social. “Um bom transporte escolar melhora a conexão do estudante com a escola, aumenta o vínculo da família com a educação e pode garantir a permanência e a estabilidade na escola, o que é fundamental para o desenvolvimento integral de meninos e meninas”, defende Salgado, do Alana. O instituto publicou uma cartilha específica sobre o assunto: Transporte Escolar É Prioridade Absoluta.

Iniciativas, percalços e perseverança
Sidrolândia, um dos municípios de Mato Grosso do Sul que aprovaram a lei no fim de 2021, depende de verba para a implementação do serviço. “Somos um município atípico, com 28 assentamentos agrícolas e 7 comunidades indígenas; então muitas crianças em áreas rurais dependem de transporte adaptado, com motorista e monitor treinado, para chegar à escola”, detalha o vereador Adavilton Brandão, sócio fundador da Supera, associação de pessoas com deficiência da cidade. Depois de conhecer o projeto de lei por meio de Rosalina, ele o apresentou à câmara municipal de Sidrolândia, onde foi aprovado em menos de dois meses. 

“Já fui a Brasília duas vezes para tentar destravar essa verba via Ministério da Educação. Temos empresas locais interessadas em se adaptar para oferecer o serviço e meu sonho é dar qualidade de vida e oportunidades a essas crianças.” Segundo o vereador, será necessário o investimento de 1 milhão de reais para o ano todo, considerando o transporte de cerca de 170 estudantes com deficiência. A intenção é conseguir recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por meio do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate). Sidrolândia conta com mais de 9 mil alunos na rede municipal, somando a área urbana e a rural. 

Conheça os requisitos para acessibilidade no transporte escolar

  • plataforma elevatória veicular
  • área para acomodação de cadeira de rodas ou cão-guia
  • poltronas preferenciais com cinto de segurança subabdominal
  • sinalização tátil
  • sistema de comunicação para estudantes com deficiência visual ou auditiva
  • comunicação visual interna e externa

Fonte: Cartilha Transporte Escolar É Prioridade Absoluta, publicada pelo Instituto Alana

A distância entre a aprovação da lei e a efetivação dos serviços não desanima Rosalina, que contabiliza, apenas em Campo Grande, 1.850 alunos com deficiência nas redes de ensino municipal e estadual. “É preciso fazer com que as comunidades não dependam de professoras Rosalinas para que esse direito seja garantido e se possa prever os recursos para ele”, atesta Salgado. 

“Os prêmios mostram que estou no caminho certo, embora os obstáculos sejam enormes! A vontade de proporcionar dignidade na locomoção de quem precisa é muito gratificante”, comemora a professora, que estuda para ser líder social. No início de 2023, ela foi selecionada pela organização Gerando Falcões, que a aconselhou a transformar seu projeto em uma organização da sociedade civil, criando assim o Instituto A Caminho da Escola. Sua iniciativa premiada na área de Novas Tecnologias de Mobilidade une inovação e simplicidade: um QRCode em um adesivo na mochila, lido por celular, permite o monitoramento em tempo real do trajeto das crianças e adolescentes. “Só sei que não vou desistir. Tenho fé e determinação e sei que posso fazer a diferença na vida de inúmeras famílias e alunos com deficiência”, afirma a professora.  

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