Entenda por que programas de coaching fazem sucesso nos Estados Unidos e conheça experiências brasileiras que venceram a resistência inicial e aplicaram programas de tutoria no ensino público.
Por Ingrid Furtado, dos Estados Unido, para a revista Profissão Mestre
Aprender a ensinar: seguindo a filosofia segundo a qual ninguém sabe tanto que não possa adquirir mais conhecimento, o ato de ser guiado pelas mãos de pessoas mais experientes ultrapassa as fronteiras da consagrada convivência entre pais e filhos e entra com passos tímidos, porém firmes, em salas de aula brasileiras. Bem difundida nos Estados Unidos, a tutoria (também chamada de coaching ou mentoring) é uma prática na qual profissionais de educação orientam outros educadores para que possam ensinar com mais qualidade. O treinamento, longe de ser aplicado em oficinas, simpósios ou conferências, ocorre na própria escola, em um acompanhamento bem próximo entre mentor, professor e estudantes. E pode se tornar o fôlego de que muitos precisam para dar conta da honrada mas nem sempre fácil tarefa de ser professor no Brasil.
O nome da iniciativa pode variar entre países, mas o conceito é sempre o mesmo: capacitar e ajudar o educador a encontrar o melhor caminho, seja na gestão de uma escola, seja no dia a dia de uma sala de aula. Tudo no intuito de contribuir com o aprimoramento da técnica do docente e com a meta de atingir a máxima eficácia ao ensinar.
O doutor em Economia pela Universidade de Harvard e professor de mestrado da Columbia Business School, Jonah Rockoff, tem como centro de interesse investigar financiamentos públicos, incluindo a rede de educação da cidade de Nova York. Em um dos seus estudos, ele avaliou a aplicação do mentoring nova-iorquino. “O que sabemos é que estudantes tendem a aprender melhor se ensinados por professores mais experientes. Se o mentoring acelera a aquisição de qualidade dos professores, então é mais provável que os alunos também se beneficiem”, afirma o pesquisador
Ele explica que nos Estados Unidos a tutoria é, de maneira geral, aplicada a professores iniciantes, que acabam de entrar na rede de ensino e precisam de apoio. “Um componente universal desses programas é o fato de os mentores serem obrigatoriamente professores mais experientes. Mas essa ‘experiência’ é bem relativa e pode variar consideravelmente, de apenas dois anos a mais de uma década”, observa Rockoff.
O especialista esclarece que mais importante do que os anos de carreira do educador é a habilidade do profissional em dividir experiências. “Encontrar um professor-mentor de qualidade, na própria rede de ensino, é crucial para que a iniciativa dê certo”, alerta.
Especialista em instrução dos professores iniciantes de ensino médio em Pasadena, Texas, no Sul dos Estados Unidos, a mentora Angela Kennedy sabe bem disso. “Para se tornar um mentor é preciso investir tempo e ter boa vontade de sentar em sala de aula com o educador principiante, assistir suas aulas e, depois, fazer conferências com ele, sugerindo como melhorar sua prática”, explica.
Angela diz que, em Pasadena, o ideal é que os professores tenham mais de três anos de prática para se qualificar como mentores. “O programa de mentoring é aberto a professores iniciantes de todas as disciplinas, desde Matemática e Inglês, passando por Ciências e até Música”, acrescenta
Um ponto de consenso entre os dois especialistas norte-americanos é a importância de que ambos os personagens dessa experiência (professores iniciantes e mentores) sejam formados na mesma disciplina. “Preparar aulas é um dos maiores desafios para educadores que acabam de entrar na rede. Então, se o mentor sabe o conteúdo, fica bem mais fácil ajudar o professor principiante”, explica Angela. Porém, a regra admite exceções. “Se temos, por exemplo, apenas um professor iniciante de Música e a escola não tem outro mais experiente da mesma disciplina, buscamos o melhor mentor em outras áreas. Mas colocamos sempre o mais qualificado”, pontua.
Jonah Rockoff ressalta, ainda, outro fator que potencializa o alcance da tutoria. “Combinar a formação do mentor com a do professor iniciante faz todo sentido, mas o que realmente constitui uma boa combinação é que ambos sejam da mesma escola. Isso ajuda muito, pois os dois sabem das limitações e vantagens da instituição”, diz.
Experiências no Brasil
Para ser bem-sucedido, um esportista precisa de conhecimento, energia e confiança. Para alcançar a meta de ser um bom educador, as necessidades são praticamente as mesmas, mas nem sempre essas três características andam juntas na sala de aula. Unir todas elas é justamente o objetivo das propostas das secretarias de Educação de São Paulo e de Goiás.
Nas experiências brasileiras, o programa de mentoring é mais conhecido como coaching ou tutoria. Além disso, a aplicação é ampliada não somente a professores (independentemente de quão experientes sejam), mas também a coordenadores pedagógicos das escolas. Especialistas acreditam que a iniciativa é muito mais que capacitação: oferece ânimo aos profissionais que estão há anos na rede de ensino e que têm vontade de melhorar.
Com o estudo A Reforma Educa-cional de Nova York: Possibilidades para o Brasil, a Fundação Itaú Social, com coordenação técnica do Instituto Fernand Braudel, investigou pontos de excelência na rede de ensino da cidade norte-americana e trouxe para o Brasil ações que prometem capacitar professores de forma eficaz e também econômica. A consultora em Gestão Educacional da Fundação Itaú Social, Maria Carolina Nogueira Dias, explica que o projeto-piloto de coaching em São Paulo ocorreu entre 2009 e 2011, em dez escolas da Região Leste da capital. A iniciativa ocorreu em duas frentes: uma com os coordenadores pedagógicos e outra com professores de Português e Matemática.
Levantamentos mostram que grande parte dos coordenadores pedagógicos brasileiros realiza atividades fora das atribuições do cargo, como fiscalizar saída e entrada de alunos ou verificar se as salas de aulas estão limpas. Para Maria Carolina, isso reflete falta de conhecimento acerca das funções, mas também ausência de formação específica. “Por isso é importante a prática do coaching”, afirma.
Nesse caso, foram escolhidos profissionais da rede com bastante experiência em formação pedagógica. A carga horária deles foi reduzida, para que tivessem tempo de visitar as escolas, observar os coordenadores e acompanhar o desenvolvimento dos profissionais depois das visitas. Foram selecionados dois tutores pedagógicos, um para cada grupo de cinco escolas. “Eles orientaram os profissionais na formação pedagógica da equipe, além de ensinar como conciliar a rotina de trabalho e gerenciar uma equipe de professores. Às vezes, o coordenador está inseguro em colocar em prática alguma ação e não tem a quem perguntar. O coaching preenche essa lacuna. E tudo isso acontece na observação do dia a dia”, explica a consultora.
Já a tutoria de professores envolveu características diferentes. Foram escolhidos três tutores de Português e outros três de Matemática, que ficaram responsáveis, cada um, pela orientação de 18 a 25 professores, distribuídos pelas dez instituições. Maria Carolina deixa claro que, nessa experiência, qualquer professor interessado em receber o apoio era aceito, independentemente de ter dois ou 15 anos de experiência. “No início, os tutores passam horas com os professores fazendo observações práticas em sala de aula. Depois que eles passam a conhecer os profissionais, a troca de informações passa a ser mais dinâmica e efetiva. Eles se comunicam muito por e-mail, trocam dúvidas e atividades. Por isso, a quantidade de tutores para esses grupos de professores se mostrou razoável”, observa a consultora.
Maria Carolina explica que esses tutores tiveram quatro pontos como foco principal na orientação: planejamento da aula; preparação e correção de provas; prática de ensino e gestão de sala de aula. “Não atuamos diretamente com o aluno, mas esse conjunto de atividades fecha as principais competências para que um professor exerça a docência de forma eficaz”, diz a consultora, que também é pedagoga e doutoranda em Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Profissionais de ensino da Secretaria de Educação de Goiás também são entusiastas do programa e até já selecionaram professores efetivos da rede para trabalhar na Gerência de Tutoria Pedagógica do Estado. “A tutoria é importante porque se preocupa primordialmente em resgatar a escola como espaço onde ocorrem aprendizagens significativas. A figura do tutor auxilia o coordenador pedagógico para que ele efetivamente desempenhe seu papel de subsidiar a aprendizagem dos alunos e a formação dos professores”, diz o chefe do Núcleo de Orientação Pedagógica, Raph Gomes Alves.
Para o processo seletivo, a secretaria avaliou critérios variados do perfil profissional dos candidatos. Alves explica que o pretendente ao cargo precisa ser licenciado em alguma área do conhecimento, preferencialmente com especialização em educação, além de ter conhecimento das políticas públicas na área de educação nacional e estadual. Também estão entre as características esperadas a habilidade, a flexibilidade e a agilidade para o trabalho em equipe, além da competência para gerir conflitos, a capacidade de orientar as unidades educacionais para estabelecer metas e ações para melhorar o ensino e o conhecimento de práticas pedagógicas inovadoras.
Depois do projeto piloto de 2011, em 17 unidades educacionais de Goiás (localizadas em cidades muito próximas ao Distrito Federal), o Estado está apostando alto no programa. “A tutoria pedagógica está sendo desenvolvida em todas as 1,2 mil escolas que compõem a rede estadual de ensino”, afirma Alves. Ele acrescenta que a Gerência de Tutoria Pedagógica realiza encontros técnicos mensais com diretores e tutores pedagógicos, totalizando 16 horas por mês.
Mas Goiás também desenvolve a prática entre professores de Português e Matemática. “Essa iniciativa ainda está no início, mas se trata da formação de professores durante a aula. Nesse processo, um professor itinerante, que atua como um orientador, acompanha as aulas do professor de Matemática ou Português. Eles planejam e ministram aulas juntos. Com isso, aprendem novas metodologias, e são acompanhados em suas dificuldades”, explica Alves, que também é químico formado pela Universidade Federal de Goiás e pós-graduado em Planejamento e Gestão Educacional.
Resistência
Apesar dos benefícios internacionalmente comprovados do coaching, seria ingenuidade acreditar que a prática não enfrentasse de início resistências e apreensões. De fato, o receio de aparentar ser um profissional inseguro ou a desconfiança de ter alguém em sala de aula como um “informante” da Secretaria de Educação foram os motivos mais comuns para que o índice de adesão dos professores não chegasse a 100% no primeiro ano do projeto em São Paulo. “Estamos falando de mudança de comportamento, mudança de prática. Isso não acontece da noite para o dia. Ou seja, não dá para fazer tutoria com um profissional que não quer. Mas o tutor, por sua vez, também precisa tornar a experiência atrativa”, diz Maria Carolina.
Para evitar conflitos, o projeto foi aplicado apenas aos professores e coordenadores pedagógicos que quiseram. “Respeitamos a disponibilidade do professor. Havia alguns que não se sentiam confortáveis em ter alguém vários dias dentro de sala de aula. Outros queriam esse profissional sempre presente. Isso tudo foi respeitado. Dessa forma, foram criados vínculos entre essas pessoas, gerando confiança e o entendimento de que o tutor é um parceiro do professor, que está lá para ajudar a planejar e a modelar a prática de ensino”, acrescenta a consultora.
O chefe do Núcleo de Orientação Pedagógica da rede estadual de ensino de Goiás faz coro às observações de Maria Carolina. “A resistência dos profissionais é o maior desafio a ser superado, mas não é o único: há também a falta da cultura ou do hábito da formação em serviço e a falta de flexibilidade diante das sugestões de mudanças metodológicas. Porém, estamos percebendo que, paulatinamente, as escolas estão entendendo que a tutoria tem uma postura de fazer junto. Tal entendimento tem facilitado o rompimento das barreiras”, diz Alves.
Outra questão a ser considerada para aperfeiçoar esse convívio é de ordem prática: como o tutor é na verdade um professor “itinerante”, que visita várias instituições de ensino, a distância entre as escolas deve ser considerada no planejamento. A ideia é que o profissional gaste menos tempo na locomoção e mais tempo com os professores.
Investimento
Capacitação de professores não é necessariamente sinônimo de excessivo gasto público. Um dos pontos positivos do coaching, segundo Maria Carolina, é o fato de os recursos humanos serem provenientes da própria rede de ensino. “A secretaria não precisa gastar mais para aplicar a iniciativa. Muito pelo contrário: é uma oportunidade de reconhecer profissionais competentes dentro da rede e dar a eles a oportunidade de contribuir com a formação de outros educadores. É, ao mesmo tempo, um resgate do respeito com esses profissionais. Essa prática contribui também para que outros professores não se acomodem e vejam que não estão sozinhos”, explica.
Quando os investimentos tornam-se mais altos, apostar em parcerias é uma solução. O exemplo vem dos Estados Unidos, onde esse custo pode variar muito. Por isso, alguns distritos escolares têm como parceiras universidades que investem financeiramente nessa formação. Em outros, a própria prefeitura remunera melhor o mentor. “No caso de Pasadena (Texas), o distrito oferece um bônus de US$ 1 mil por ano a cada um desses profissionais. Não é muito, mas é um estímulo para aqueles que desejam ser mentores um dia”, diz Angela Kennedy.
Há outros distritos que não gastam praticamente nada, pois usam profissionais que estão fazendo mestrado em Educação para serem tutores. Mas, em outro extremo, Nova York, por exemplo, investiu nada menos que US$ 40 milhões em seu projeto de mentoring, iniciado em 2004.
Sob o ponto de vista do professor que recebe o “amparo” desses profissionais a ajuda é praticamente um bálsamo. O professor de Matemática Edward Garcia Junior, de Pasadena, ensina Álgebra pela primeira vez para alunos do ensino médio. Ele afirma que, sem a orientação de seus mentores, seria um profissional menos preparado. “Minha mentora é como se fosse uma linha de raciocínio dentro da sala de aula. Eu estou aprendendo a organizar alunos de forma mais efetiva para ensinar determinado assunto. Se o jeito que ensino não é legal, ela me fala e me indica o melhor caminho. Se não fosse por ela, seria um professor menos qualificado e, consequentemente, mais inseguro”, afirma o docente, acrescentando que é difícil lidar com conflitos entre aluno-aluno e professor-aluno. “Por isso tudo, considero minha mentora praticamente como um anjo.”
Ações futuras
Apesar de o projeto piloto em São Paulo ter sido finalizado em 2011, a Fundação agora realiza a avaliação de impacto do programa e está transferindo a tecnologia de tutoria/coaching para a equipe técnica da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
A iniciativa também está se expandindo para outros Estados do Brasil, como Rio de Janeiro e Espírito Santo, por meio de um dos eixos do projeto original conhecido como “Coordenadores de Pais”. Segundo a Fundação Itaú Social, essa ação foi uma das linhas adotadas ainda no piloto do Excelência em Gestão Educacional, paralelamente à tutoria, no qual há a contratação de coordenadores que vão até as casas dos alunos, aproximando a família ao universo escolar. O objetivo é trazer para mais perto dos pais e responsáveis o cotidiano da escola, tendo em vista a melhoria de aprendizado e a diminuição da evasão. No Rio de janeiro, a Fundação fechou em 2012 uma parceria com a secretaria municipal que prevê assessoria para desenhar e implementar a estratégia de coordenadores de pais como política de aproximação com as famílias. Já no Espírito Santo, 15 escolas da rede estadual, localizadas em áreas de alta vulnerabilidade socioeconômica da Região Metropolitana da Grande Vitória, farão parte de um projeto-piloto que introduzirá a figura dos coordenadores de pais.