

Por Carla Gavilan, Rede Galápagos, Campo Grande (MS)
Escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore, de acordo com a máxima do poeta cubano José Martí, está entre as principais tarefas que devemos cumprir na vida. Já imaginou começar as realizações dessa lista já aos cinco anos de idade? Pois foi o que fizeram, ao lançarem a obra Chapeuzinho Vermelha Indígena, os estudantes indígenas do pré-escolar da Escola Municipal Professor João Cândido de Souza, localizada em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul.
Quem conta essa história com entusiasmo é o diretor adjunto da instituição, Thiago Kohagura, e a professora da educação infantil Juliana de Souza de Jesus. Os dois foram os principais responsáveis por explorar o mundo da literatura junto com os alunos da comunidade.
A escola fica no bairro Jardim Anache, onde está localizada uma das aldeias urbanas de Campo Grande, a Água Bonita, da etnia terena. De acordo com o diretor adjunto, a instituição possui aproximadamente 300 alunos indígenas matriculados na educação infantil até o 9º ano, nas 18 turmas no período matutino e na mesma quantidade no período vespertino.
Thiago Kohagura relata que a ideia foi inspirada no trabalho de mediação de leitura feito com as crianças a partir dos livros Enquanto o almoço não fica pronto…, da autora Sonia Rosa, com ilustrações de Bruna Assis Brasil, e Os olhos do jaguar, de Yaguarê Yamã, ilustrado por Rosinha.
Os dois títulos foram publicados pelo programa Leia com uma criança, do Itaú Social. “Recebemos exemplares das obras depois de ter participado de uma roda de leitura. Com o livro Enquanto o almoço não fica pronto…, trabalhamos alguns campos de experiências orientados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Essa fase tem um papel muito importante para os estudantes, pois, além de se divertirem, também têm mais possibilidades de desenvolver a fala, a escrita e a coordenação motora”, detalha.

Uma chapeuzinho pra chamar de nossa
O livro Os olhos do jaguar foi destinado a atividades com a educação infantil. As crianças indígenas se identificaram com a linguagem e a proposta da obra sobre a cultura dos povos maraguá e sateré-mawé, retratadas pelo autor e que recebem as ilustrações de Rosinha.
Nas aulas da professora Juliana, a obra foi trabalhada em roda de leitura e leitura compartilhada para ajudar na consolidação da alfabetização. “Ao contar a história, eu percebi a necessidade de ilustrar aquele fascinante mundo. Para isso, criei fantoches dos personagens e os distribuí aos alunos, que ficaram responsáveis por toda a interpretação”, explica.
De acordo com a professora, as crianças ficaram tão fascinadas por aquele universo e pela possibilidade de falar mais a respeito da sua etnia que decidiram produzir o seu próprio livro. “Depois de fazerem vários desenhos do livro Os olhos do jaguar e de escrever muitos diálogos, começamos a criar um reconto da história da Chapeuzinho Vermelho. A partir dos olhos dos nossos alunos, nessa produção, a Chapeuzinho é, naturalmente, uma menina indígena”, relata. Foram meses de trabalho até que a história compartilhada entre as crianças finalmente recebesse formas, cores e vida por elas mesmas. “Finalizamos um exemplar depois de algumas edições do trabalho deles e enviamos digitalmente para a nossa biblioteca”, destaca a professora, orgulhosa.
Leitura contra a evasão
O processo de produção do livro Chapeuzinho Vermelha Indígena, para Juliana, reflete a importância do contato com a leitura desde a infância e se tornou um importante instrumento contra a evasão escolar. “As obras têm despertado muito o interesse dessas crianças, e não só isso. Vale lembrar que aqui muitos alunos acabam sendo faltosos ou, mesmo, abandonam as atividades escolares. Porém, depois de serem incentivados a atividades prazerosas, como produzir um livro, percebemos que estão mais animados nas aulas”, conta a professora. “E até os pais têm nos procurado para dizer que se sentem orgulhosos de verem seus filhos escrevendo sobre sua própria cultura e origem.”
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