
Por Luciana Vicária, Rede Galápagos, São Paulo, com Luana Gurgel, Rede Galápagos, Fortaleza
A esperança se renova aos primeiros sinais de chuva no sertão do Ceará. É uma alegria tão intensa quanto passageira. A água traz o verde, o verde traz a vida, mas uma hora a água seca e intensifica uma realidade de carências. Esse é um ciclo recorrente no Crato, município cearense localizado próximo à divisa com Pernambuco. Foi nesse contexto que o Projeto Verde Vida fincou suas raízes e começou a mudar as perspectivas de vida de mais de 6 mil jovens da área rural. No início dos anos 90, a situação de extrema pobreza era uma ameaça à infância dos pequenos moradores do Crato. As escolas registravam altos índices de evasão escolar. Meninas se tornavam mães muito novas, meninos eram levados para a roça antes dos 12 anos.
Em 1996, um artista plástico apostou na força da cultura nordestina como uma poderosa ferramenta social. Marcos Xenofonte resgatou a arte das olarias, a dança de reisados, as quadrilhas juninas. Esses e outros elementos das tradições e do imaginário sertanejo tornaram-se matéria-prima para um projeto de resgate da autoestima. “A gente mostrou que a terra natal de Padre Cícero, a capital da cultura do Cariri, com toda sua efervescência cultural, era mais forte do que a seca”, diz Marcos.
No começo, Marcos recebia as crianças em sua própria casa, sem energia elétrica e com poucos recursos pedagógicos. Ensinava arte com recicláveis, alimentava e acolhia, além de encaminhar os meninos aos serviços básicos de saúde. “Eu tentava explicar aos pais que as crianças precisavam de mais do que enxada e foice. Elas precisavam de educação”, recorda-se.
Com o tempo e a chegada dos primeiros resultados, a OSC passou a ter o apoio de voluntários, de ex-alunos e de empresas que reconheciam seu potencial. O Verde Vida se fortaleceu e ganhou novo rumo em 2011, quando recebeu o Prêmio Itaú Social/UNICEF por seu projeto Ações Culturais para Povos Rurais. Vieram então algumas mudanças que ampliaram seu escopo de atuação.

O projeto passou a oferecer mais atividades, como muay thai e inclusão digital. A dança do reisado passou a mobilizar toda a meninada, assim como o interesse pelas oficinas de circo, pela música tradicional e pelo aprendizado de instrumentos como acordeão, violão e teclado. Por fim, o Verde Vida inaugurou mais uma sede própria no bairro de Ponta da Serra e começou a receber crianças e jovens de baixa renda, na faixa dos 6 aos 18 anos.
Há três anos, o projeto passou a integrar o programa Missão em Foco, do Itaú Social, e deu início a um segundo movimento, agora priorizando a formação profissional de seus colaboradores e o planejamento estratégico da instituição. Por meio da parceria, a instituição criou seus próprios indicadores de desempenho e estabeleceu metas de curto e longo prazos.
A coordenadora da organização, Jany Mery Alencar, conta que o Verde Vida ganhou transparência e passou a ser administrado com mais profissionalismo. “Para se ter uma ideia, a gente mal conseguia fazer reunião no começo, pois todos falavam ao mesmo tempo”, conta. “Hoje, porém, já conseguimos mapear os processos internos e passamos a fazer projeção orçamentária”.

Com novos parceiros no terceiro setor e nas esferas pública e privada, a OSC encampou recentemente o primeiro diagnóstico social da criança e do adolescente do Crato. Segundo os organizadores, será um marco para as ações que virão a seguir, já que o mapeamento do perfil e das necessidades do público permitirá ajustar e ampliar o impacto das práticas da instituição.
A pandemia felizmente não parou o Verde Vida, embora as aulas presenciais tenham sido suspensas. “Levamos a nova coleção de livros do Itaú, cestas básicas e máscaras para cada uma das famílias associadas. Nesse pacotão de entregas, levamos também os artistas que trabalham na nossa oficina de circo e fizemos uma festa na frente das casas”, disse Jany, ao comentar sobre as 25 toneladas de alimentos e doações. “Recebemos, em troca, muito carinho e a certeza de que o trabalho tem de continuar”.
Esperança renovada
Depois de sete meses de isolamento, 250 crianças retornam de forma segura para uma celebração

Uma época marcante para qualquer organização que trabalha com a garotada é outubro, o mês das crianças. No Verde Vida não seria diferente. Antes da pandemia, já era uma tradição que as comemorações se estendessem por todo o mês, com passeios a balneários próximos e ao museu de paleontologia. Tudo isso e mais o grande festejo no dia 12, quando a quadra da sede se transformava em um verdadeiro playground com pula-pulas, brinquedos infláveis e guloseimas à vontade.
Com a organização trabalhando há sete meses de forma remota com as crianças e famílias assistidas, alguns dos assistidos temiam que a comemoração não fosse acontecer. Mesmo os organizadores tinham dúvida, pois com 250 crianças e adolescentes de nove comunidades não seria uma tarefa simples. A solução foi buscar uma forma de adaptar a festa ao novo contexto. Os participantes foram divididos em grupos de 20 a 30 pessoas e a festa aconteceu durante os dois últimos dias de outubro, em horários separados, para evitar aglomeração.
Se o contexto da pandemia assustou e distanciou as crianças e adolescentes, a festa voltou a reuni-las de forma viável e segura, trazendo um novo clima de esperança. A experiência deste ano foi diferente não só na redução dos dias de atividades, mas nos cuidados com a Covid-19. Todos precisavam estar de máscaras e respeitar os lugares assinalados. Quando chegou a hora dos lanches, presentes e brincadeiras, o sentimento de apreensão foi, aos poucos, dando lugar ao momento de alegria.
“Foi um momento atrativo para as crianças celebrarem essa data e também para promovermos uma integração nesse tempo de pandemia”, alegra-se a coordenadora Jany Mery Alencar. Segundo ela, o principal receio das crianças, era em relação à continuidade das atividades do Verde Vida. Diante daqueles grupos, a boa notícia ecoou. “Dissemos a eles que no ano que vem a gente vai retomar e dar continuidade às atividades” conta Jany. “Explicamos que será de uma forma diferente, mas que vai acontecer.”