

Por Maggi Krause, Rede Galápagos, São Paulo
O diálogo a seguir se passa entre Simone Almeida, professora de um Centro Municipal de Educação e Desenvolvimento Infantil (Cemedi) no município do Paulista (PE) e crianças de sua turma de três e quatro anos.
— Vocês sabem o que é uma obra de arte? — pergunta ela.
— É um desenho? — indaga Paulo.
— E o artista sou eu — interrompe Bernardo.
— Ah, quando você faz o desenho, você é o artista? — pergunta a professora, que vai continuando a conversa de forma interativa até mostrar a obra O abraço, de Romero Britto, que é bem colorida e agrada às crianças.
— Esse daí é um menino — diz Eloá.
— Tem todas as cores, parece um arco-íris — nota Bernardo.
— Esse desenho é uma obra de arte chamada O abraço. Vocês sabem para que serve o abraço? — questiona Simone.
As crianças observam a imagem com cuidado e, no desenrolar da atividade, correm para abraçar seus familiares [o encontro estava sendo conduzido de forma on-line]. Depois se concentraram em fazer suas próprias produções, em desenho livre, inspiradas na obra de estilo pop art do pernambucano.
Nas semanas seguintes a esse primeiro contato, a professora ofereceu uma série de experiências a sua turma em torno das temáticas da obra de Britto, sempre privilegiando a escuta e as escolhas dos pequenos. “Antes, eu fazia meu planejamento baseada no que eu achava que a criança deveria aprender”, conta Simone, que voltou a atuar como professora após dez anos de trabalho na Secretaria Municipal de Educação (Semed). “Agora escuto muito para desenvolver uma sequência didática. A aprendizagem acontece junto comigo, mas é centrada na criança.”

A mudança de concepção, que ressignificou as práticas pedagógicas no município do Paulista, aconteceu depois de formações promovidas pelo programa Melhoria da Educação, do Itaú Social. A parceria começou em 2019, quando as formadoras da organização Avante iniciaram o trabalho em conjunto com as equipes técnicas da Semed. Na cidade há apenas sete Cemedis, que são unidades exclusivamente dedicadas à etapa, e as turmas de educação infantil estão distribuídas em outras 48 escolas da rede que abrigam o ensino fundamental. “As equipes gestoras, muito voltadas para os anos iniciais do fundamental, estavam distantes da concepção de infância e a formação abriu essa luz para que começassem a olhar para as crianças, os espaços e o planejamento”, observa Simone. “Os encontros com as formadoras da Avante fizeram a educação infantil ganhar relevância e visibilidade na rede.”
Karina Rizek, consultora associada da Avante, ressalta que a maioria dos municípios não tem uma equipe da secretaria com cinco pessoas dedicadas só à educação infantil, todas concursadas e muitas já tendo sido gestoras escolares. Especialista na área, Karina foi coordenadora pedagógica e de campo na implementação e na elaboração da tecnologia educacional Gestão e formação de equipes de educação infantil. Por meio do site Melhoria da Educação, é possível aprender sobre o tema de forma autônoma e gratuita, passando por um percurso bem encadeado e com todas as ferramentas necessárias para sua aplicação. “O maior benefício para quem acessa essa tecnologia é poder implementar uma formação continuada de gestores e professores alinhada com as políticas nacionais da educação infantil, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)”, explica Guilherme Parra de Andrade, da equipe do programa Melhoria da Educação.
Conhecer de perto para investir em mudanças
O primeiro passo — tanto realizado no Paulista como para quem cursa a tecnologia no site — é o diagnóstico da educação infantil na rede, que envolve escuta ativa de professores, crianças, famílias e equipe técnica. “Além das dificuldades de estrutura física e de material didático e pedagógico, no diagnóstico ficou nítido que havia dificuldade de realizar os encontros formativos dentro da escola. As coordenadoras pedagógicas não realizavam a formação in loco; aguardavam que fosse organizada pela Secretaria de Educação”, conta Simone, que até o final de 2020 trabalhava como coordenadora da educação infantil no município e se tornou o elo entre a Semed e as formadoras da Avante, estruturando e organizando todos os encontros. Segundo Karina, é preciso que a rede se conheça e entenda o que precisa alcançar, para então estabelecer pequenas metas (para um ano, para dois anos etc.). Estudo de currículos e modelos de pautas formativas são disponibilizados no percurso da tecnologia educacional, mas tudo é adaptável e deve ser realizado a partir desse diagnóstico.
“No Paulista, o grande objetivo foi encaminhar como a equipe técnica poderia potencializar a formação de professores, e isso passou pela compreensão de que o espaço formativo é essencialmente o chão da escola. Vale muito a pena acompanhar a ação docente, pois ela retroalimenta o formador e possibilita que ele construa novas alternativas”, explica Emanuel Souto, que entre 2017 e 2020 foi secretário executivo no Paulista, responsável pelas políticas pedagógicas e o desenvolvimento educacional na rede municipal de ensino, com quase 20 mil alunos. A cidade de cerca de 335 mil habitantes faz parte da região metropolitana do Recife. Para a gestão da Semed, ficou claro que os espaços da educação infantil precisavam ser redefinidos e requalificados com urgência. Isso resultou em dois novos Cemedis em 2020, com material específico, comprado com recursos próprios, além de livros paradidáticos fornecidos pelo Itaú Social.

Emanuel conta que a lógica de trabalho individualizado foi superada e substituída pela necessidade de construir uma identidade pedagógica coletiva. “Muitas trocas aconteceram entre as professoras nos encontros formativos, e todos perceberam que a escola precisa oferecer experiências de aprendizagem que potencializem a infância, não só focando no aspecto cognitivo, mas incluindo o afetivo, o emocional, o social, para promover a formação integral”, resume.
Não só Paulista, mas todo o Brasil vem enfrentando o desafio de organizar as práticas pedagógicas na perspectiva da BNCC. “É uma mudança de paradigma que não ocorre do dia para a noite, pois se alteraram o papel de educador e a concepção de aprendizagem”, diz Karina, da Avante. O coprotagonismo entre a criança que aprende e quem a educa exige formação específica, mas dá resultados na prática. “O compromisso coletivo com o currículo só se materializa na prática dos educadores, que precisa ser integrada e reflexiva”, destaca o ex-secretário. Foi por isso que a professora Simone, depois do diálogo que você leu bem no comecinho deste texto, correu para anotar tudo o que as crianças falaram. Só registrando ela consegue avaliar como os pequenos avançam e de que forma vai planejar a próxima experiência junto deles.
Saiba mais
- Site Melhoria da Educação — Itaú Social
- Tecnologia educacional Gestão e formação de equipes de educação infantil
- Programa Melhoria da Educação