

Por Afonso Capelas Jr., Rede Galápagos, Porto Seguro, BA
O Quilombo dos Palmares, que remonta ao século 16, foi o maior e mais representativo refúgio de negros escravizados do Brasil e fez do líder guerreiro Zumbi um herói nacional. Tornou-se símbolo da resistência e tem grande importância histórica na cultura dos povos africanos trazidos ao país e sua integração aos povos originários. O quilombo foi formado na Serra da Barriga, região onde hoje está o município de União dos Palmares, a 80 quilômetros de Maceió, no estado de Alagoas. O nome da cidade é uma justa homenagem ao famoso refúgio dos negros e ao que ele representa. Para os palmarinos, manter viva a herança histórica e cultural que Zumbi dos Palmares e seu povo deixaram é extremamente relevante. Por isso, a Secretaria Municipal de Educação lançou, em 2021, o projeto Cultura Palmarina em Movimento para levar aos alunos de escolas municipais do ensino fundamental a essência da cultura afro da região. Atividades de capoeira e danças são promovidas no contraturno das aulas normais de 20 escolas públicas do ensino fundamental como atividades complementares, desenvolvidas por agentes culturais. Reverenciando as tradições ancestrais, mas de olho no futuro, também foram incluídas no contraturno aulas de robótica. Todas essas iniciativas têm apoio do Itaú Social, por meio do Programa Melhoria da Educação.
União dos Palmares é um dos municípios alagoanos que se destacaram no Ideb estadual. Depois de constar apenas entre os 30 primeiros lugares em anos anteriores, alcançou a sexta colocação na pontuação mais recente de Alagoas. Esses resultados vieram graças a algumas medidas da Secretaria Municipal de Educação: além de organizar grupos de trabalho com engajamento total das escolas da rede municipal e traçar um planejamento predefinido para os professores, as atividades de contraturno ajudaram União dos Palmares a atingir 7,2 na nota total do Ideb e 4,8 nos anos finais, reduzindo os índices de evasão escolar e reprovação. “Temos investido muito nesses programas extracurriculares para manter os alunos na escola, e eles realmente se envolvem bastante, gostam de fazer essas atividades”, revela Marcio Roberto de Oliveira Lima, articulador de ensino da Secretaria de Educação.
A capoeira é praticada em todo o Brasil como um esporte e faz parte da identidade cultural do país. Nos tempos coloniais, entretanto, era uma forma dos escravos de se defenderem da violência dos capitães do mato e dos castigos aplicados pelos senhores de engenho. Como era proibida a prática de qualquer tipo de luta nas senzalas, os negros disfarçavam os movimentos de combate mesclando-os com música e dança.
Acredita-se que a capoeira tenha sido criada no Quilombo dos Palmares, tendo Zumbi como um dos seus principais praticantes, e hoje é uma cultura forte no município. As aulas de capoeira e danças afro são ministradas para cerca de 2.100 estudantes de todos os anos do ensino fundamental. Para o coordenador do Núcleo de Identidade Étnico-Racial (Nier), órgão ligado à Secretaria Municipal de Educação, Jildaldo de Araújo — mais conhecido como Mano Gill —, a capoeira está presente na formação da personalidade das crianças e adolescentes palmarinos. “Com sua riqueza e diversidade, ela preserva o legado histórico de luta e resistência negra contra a escravidão no Brasil no Quilombo dos Palmares. Portanto, é símbolo da cultura negra, um patrimônio de todos.”
Mano Gill conta que a capoeira é uma das atividades mais esperadas durante a semana pelos estudantes, por proporcionar um momento de lazer, de vivência cultural, de brincadeiras e o mais importante: o empoderamento e pertencimento identitário desses jovens. Em quatro aulas por semana, com duas horas cada uma, eles aprendem, desde os anos iniciais do fundamental, todos os princípios do jogo de capoeira, das danças e golpes calculados até as habilidades de tocar os instrumentos de percussão envolvidos, como o berimbau e os atabaques. “As aulas de capoeira são também uma ferramenta de inclusão social, porque crianças com deficiência participam. Além disso, as atividades mantêm os estudantes dentro da escola, evitando a evasão e melhorando as relações sociais dos jovens, o comportamento, o respeito e o combate ao preconceito, ao racismo e à discriminação”, acredita.

Outra característica muito forte na cultura dos habitantes de União dos Palmares são as danças africanas. Graças à grande afrodescendência no município, as danças representam as manifestações afetivas, ideológicas, intelectuais e espirituais nascidas no quilombo, nos guetos, na periferia.
“Dançar é a ligação com as manifestações e expressões culturais do povo palmarino, é nossa identidade. Em nossas escolas da rede municipal os estudantes têm duas horas semanais de aulas de dança afro e breakdance, que inclusive será modalidade olímpica em 2024”, conta Aparecida Ambrósio, coordenadora de planejamento do Nier nas atividades complementares culturais.
As atividades de capoeira e de danças são planejadas de acordo com o Referencial de Cultura Palmarina, Arte e Educação Física, que norteia as ações do município nessas áreas. Sequências didáticas mensais são organizadas para ministrar as aulas. Esse processo de planejamento é elaborado pelo Núcleo de Identidade Étnico-Racial. “As sequências didáticas são estruturadas de forma a atender aos anos iniciais e finais do ensino fundamental, com alunos das zonas rural e urbana que têm necessidade de recomposição de aprendizagem. Nelas estão expressas as competências e habilidades que precisam ser desenvolvidas conforme o ano que o estudante está cursando”, explica Aparecida.
A coordenadora de planejamento do Nier relata que, além de prazerosas, as aulas de dança permitem o desenvolvimento dos estudantes nas potencialidades humanas e na sua relação com o mundo. “Eles amam as aulas porque elas não só permitem a aquisição de habilidades, mas favorecem a criatividade, a empatia e o autoconhecimento. Nossos estudantes se identificam, interagem e constroem relações de afetividade.”
De olho também no futuro, a Secretaria de Educação de União dos Palmares implementou, no final do primeiro semestre de 2023, aulas de robótica no contraturno do ensino fundamental. Cerca de 1.300 estudantes de 16 escolas públicas receberam as aulas teóricas e práticas sobre novas tecnologias, inclusive com o aproveitamento de sucatas, estimulando a sustentabilidade. “Como critérios para as aulas, selecionamos alunos bons em todos os aspectos. Também inserimos aqueles com níveis de proficiência baixos para que consigam melhorar seus índices, além dos que têm maior aptidão para tecnologias”, explica Oziel Ferreira, professor de robótica. No momento, elas são ministradas apenas para alunos dos anos finais, mas a perspectiva é de que em 2024 estudantes de todos os anos do fundamental sejam atendidos.
O interesse dos estudantes pela robótica é notável, reconhece Oziel. “A receptividade é excelente. As aulas colocaram os alunos no centro do conhecimento e do protagonismo, sem falar no desenvolvimento das competências e habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).”
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