

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador
Depoimento de Otávio Neves, idealizador do Festival de Audiovisual Estudantil de Vespasiano, mestre em artes cênicas e especialista em linguagens, tecnologias e o mundo do trabalho
Foi-se o tempo em que a produção audiovisual demandava, necessariamente, grandes investimentos em equipamentos e capacitação. Na era dos smartphones e das mídias sociais, quase todo mundo tem uma filmadora no bolso. Fazemos e consumimos audiovisual o tempo todo — apesar de não pararmos para pensar sobre isso. Para a geração Z, então, isso é praticamente inato. A educação precisa estar atenta para não ficar para trás, em tempos de tiktokers e afins.
“Pensar sobre.” Essa curta sequência de palavras não tem nada de simplória e me acompanha desde que cursei licenciatura em filosofia. Depois, passei por artes visuais, linguagens, tecnologias, teatro e cinema. Minha vontade era unir todos esses conhecimentos em prol de uma educação de impacto. Assim, cheguei a Vespasiano, em Minas Gerais, para atuar como professor de artes em uma escola municipal. Desenvolvi uma oficina de audiovisual que envolveu toda a comunidade escolar e resultou num filme de nove minutos, com o qual fomos vencedores do festival Macacucine.
Essa experiência me mostrou que é possível. Mais que isso, me rendeu um convite para atuar na Secretaria Municipal de Educação com o desafio de ampliar a proposta para toda a rede. Em 2022, realizamos a primeira edição do Festival de Audiovisual Estudantil de Vespasiano. Cada uma das dez escolas públicas de ensino fundamental 2 do município participou do projeto. Primeiro, os estudantes receberam uma formação em audiovisual, focada em aplicativos gratuitos de edição de vídeo. Depois, desenvolveram e executaram a ideia do filme, com o apoio de um professor mediador.
Os vídeos deveriam ter entre três e quatro minutos, além de estabelecer relação com o tema proposto: grêmio estudantil. Um júri técnico foi responsável por escolher os melhores filmes. Como a ideia era explorar as possibilidades dentro das limitações dos próprios celulares dos estudantes, estávamos pouco preocupados com critérios técnicos relacionados à resolução da imagem, por exemplo. Queríamos ver a criatividade. E vimos. Esses meninos e meninas já utilizam smartphones e redes sociais diariamente. Já dominam e aplicam o conhecimento do audiovisual a todo momento. O nosso papel é potencializar essas práticas, dar a oportunidade do protagonismo e, claro, fazê-los pensar sobre.
Em 2023, a segunda edição do festival teve como temas o empreendedorismo e a cultura maker. Se a maioria tem acesso a um smartphone, é preciso pensar o audiovisual como ferramenta de produção de conhecimento. Junto com o desenvolvimento da prática audiovisual, os projetos trabalharam colaboratividade, replicabilidade, sustentabilidade e consciência ambiental. Premiamos três filmes votados pelo júri técnico, mais uma escolha do júri popular. A minha intenção com esse festival é mostrar que se o que os estudantes têm é um celular com a tela quebrada, acesso a dados móveis limitados e um app gratuito, nós podemos — e devemos — pensar a tecnologia com base nisso. Vamos, juntos, criar soluções a partir do que está à disposição.
As duas edições, somadas, já impactaram mais de 7 mil estudantes. Aqueles que participam diretamente das oficinas envolvem os outros nos momentos de troca. A gestão escolar e as famílias também se mobilizam. Os curta-metragens produzidos para o festival deste ano já superaram os 80 mil acessos no YouTube. Pretendo expandir esse projeto, enquanto política pública, para que sejam impactadas cada vez mais crianças e adolescentes. Penso alto, em nível de Brasil. A meu ver, o único caminho para o desenvolvimento do país é a educação. Quanto mais estudantes pensarem sobre o uso e o acesso à tecnologia, maiores as chances de se entenderem como protagonistas de suas próprias histórias.
Vejo tudo isso como uma missão. É papel dos educadores promover uma grande transformação social no Brasil. Se desenvolvo um projeto como esse, a partir do que os estudantes têm como recurso, é porque acredito na educação. A mim, vejo como um instrumento para que eles sejam protagonistas. Tudo começou na minha infância, quando brincava com uma máquina fotográfica Kodak e uma filmadora velha do meu pai. Também aos 15 anos, quando comecei a estudar teatro. Outra vez, quando cursei filosofia. E quando resolvi juntar toda essa bagagem para sonhar com um projeto educacional de audiovisual que fosse possível. Tudo começou quando tive a oportunidade de sonhar.
Saiba mais
- “O pensar a educação tecnológica a partir das práticas e processos do Festival de Audiovisual de Vespasiano”, artigo submetido ao Encontro de Pesquisa, Extensão e Ensino da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE-UFMG)
- Vídeo 2º Festival de Audiovisual Estudantil de Vespasiano 2023
- Estudantes produzem filmes sobre história e cultura negra e indígena