

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador
Depoimento de Juliana de Brito, educadora, licenciada em história, cofundadora da Biblioteca Comunitária Donaraça — e cursista do Polo
Encontrei no Google uma formação on-line de oito horas chamada O Papel das Bibliotecas Comunitárias na Formação Leitora, que parecia ser exatamente o que eu estava procurando. Fiz o curso porque sabia que precisava entender mais do universo das bibliotecas comunitárias. Além disso, eu queria conhecer experiências de outras pessoas. Foi na formação que soube da existência da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias e já consegui estabelecer alguns contatos em nível estadual. Outras pessoas sonham junto comigo e trocar experiências é fundamental para quem atua no terceiro setor.
Aprendi que, além de catalogar todo o acervo, preciso entender o perfil do público e traçar estratégias para alcançar novos leitores. Brinco dizendo que esse curso veio para me trazer dúvidas, porque me apresentou perspectivas e ferramentas que eu nem sequer sabia que existiam. Um exemplo é o software de gerenciamento do acervo, que está sendo muito útil para a organização. Em casa, arrumo meus livros de uma forma que eu sei onde está cada um. Numa biblioteca, contudo, preciso organizar para que qualquer pessoa possa encontrar o que procura.
Alguns dos aprendizados do curso foram menos técnicos e mais motivacionais. Vi que a maior parte dos projetos sociais começa mesmo com poucos recursos financeiros e que a vontade de realizar é o principal dos recursos. Sem dinheiro, a formação de uma boa rede de apoio foi o que proporcionou à nossa biblioteca um acervo que já se aproxima dos 1.500 livros, todos oriundos de doações. Entender as múltiplas possibilidades da palavra “recurso” torna mais palpável o trecho da formação que trata da importância da sua captação para iniciativas sem fins lucrativos.
Para participar do curso, precisei preencher um breve formulário de cadastro no Polo, o ambiente de formação do Itaú Social, plataforma que hospeda esse e muitos outros cursos. Sou licenciada em história e atuei por anos em salas de aula. Costumo dizer que escolhi essa área porque sempre quis entender por que as coisas são como são, de onde vieram, como tudo começou… O meu trabalho era a minha identidade. Desde que precisei me afastar, fiquei um pouco confusa nesse sentido. Gostava de ensinar e sempre buscava manter os estudantes estimulados. Acredito que aí está a diferença entre ser uma professora e ser uma educadora. Admiro o ensinar, mas amo o educar.
Há mais ou menos sete anos, adoeci por causa das condições de trabalho, algo semelhante ao que hoje seria chamado de síndrome de burnout. Busquei tratamento quando os primeiros sintomas vieram, mas levei algum tempo para entender a gravidade da minha condição. Tive de aceitar a aposentadoria compulsória.


Julguei necessário fazer essa apresentação pois, como disse, acho relevante o entendimento de como as coisas começaram. Após o afastamento, eu e Josué, meu esposo, fomos passar um tempo em uma casa numa área rural aqui em Vitória da Conquista. Pensei muito, enquanto estava distante da rotina escolar e do caos da cidade. Concluí que não podia deixar que a educação, algo em que sempre acreditei, ocupasse um lugar traumático em minha vida. Também li bastante nesse período. A literatura sempre fez parte dos meus dias e, por isso, tenho muitos livros.
Cabeceira da Jiboia é um distrito simples, com moradores muito acolhedores, como Donaraça, apelido de Iraci, uma senhorinha que conhece todo mundo da região e me recebeu com muito amor. Com a convivência, fui fazendo amizade com as pessoas da comunidade. Seus filhos e netos, então, passaram a frequentar a minha casa, onde líamos juntos. Eu fazia uma espécie de mediação de leitura com as crianças e nos finais de semana tínhamos uma pequena turma de reforço escolar. Sem perceber, havia voltado a educar. Nada de pressão ou cobranças dessa vez. Era tudo muito espontâneo.
Aquilo me fez entender que eu tinha vontade de fazer alguma coisa relacionada à educação, mas voltar a dar aulas talvez não fosse o caminho. Veio a pandemia e eu e Josué deixamos de ficar no sítio. Com a casa fechada, organizamos um esquema de empréstimo dos livros para não interromper o orgânico processo de formação de leitores que estava em curso. Naturalmente, as crianças começaram a também emprestar os livros entre si. Foi quando pensei: “E se fizéssemos uma biblioteca comunitária?”. Foi uma ótima ideia, mas eu não sabia como esses espaços funcionam.
Organizamos os livros de casa, mais alguns de filhos e sobrinhos, e a conta fechou em um acervo de cerca de 200 exemplares. Como somos professores, conhecemos muitas pessoas que poderiam ter livros para doar e fizemos uma campanha bem-sucedida nas redes sociais. Tão bem-sucedida que a quantidade de livros que chegaram nos fez parar para pensar em algo elementar, mas que não fazíamos ideia de por onde começar ou como fazer: a catalogação. A formação do Polo caiu como uma luva nesse momento.
Ainda estamos concluindo as obras do espaço físico da biblioteca. A perspectiva é que a inauguração aconteça ainda no primeiro semestre de 2023. Por causa do curso, tivemos a preocupação de garantir uma maior acessibilidade na construção, com banheiro adaptado e rampa na entrada, por exemplo. Mesmo antes da inauguração oficial, a biblioteca já tem cerca de 50 pessoas leitoras cadastradas e assíduas. Crianças cujas famílias não teriam condições de comprar um livro recebem exemplares semanalmente e em breve poderão frequentar a Biblioteca Comunitária Donaraça.
Saiba mais
- O papel das bibliotecas comunitárias na formação leitora
- Curso Infâncias e Leituras
- Curso Mediação de Leitura para Juventudes
- Acesse formações práticas, certificadas e gratuitas no Polo
- O valor da leitura: legado e inspirações para a nova década