

Por Anna Karla Lima, Rede Galápagos, Santarém (PA)
Num lugar onde a maior parte da população não possui telefone, nem computador, muito menos internet, a melhor forma de se comunicar e saber o que acontece na comunidade ainda é bater na porta da casa do vizinho e ter uma boa conversa. Foi exatamente desta maneira, batendo de porta em porta, que os instrutores do Centro de Atendimento Madre Evangelina (CAME) avisaram as famílias do município de Portel (PA) sobre a aprovação do projeto no fomento proporcionado pelo programa Comunidade, Presente! do Itaú Social. Duzentos e cinquenta famílias receberam cestas básicas com alimentos e kits de higiene e limpeza durante a pandemia. Portel fica a aproximadamente 14 horas de barco da capital paraense, Belém.

Presente em cinco estados: São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Pará e Rio de Janeiro, a congregação agostiniana é uma organização social sem fins lucrativos que atua no Brasil desde 1947. Sua missão é investir na educação e promoção humana de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, por meio de ações socioeducativas. No Pará, a instituição desenvolve atividades com 750 crianças e adolescentes, entre 7 a 18 anos, nos municípios de Soure e Portel. “Como 70% das pessoas de Portel vivem do Bolsa Família, sabíamos que sem a escola, ou sem os auxílios do governo federal, muitos iriam entrar em desnutrição e fome”, conta a irmã Alzira de Almeida, diretora financeira da Congregação Agostiniana Missionária de Assistência e Educação, que mantém a CAME.
Poucos médicos e muitos problemas
Localizado na Ilha do Marajó, considerada a maior ilha fluviomarinha do mundo, o município paraense de Portel está entre as 15 cidades com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Sua população, de pouco mais de 62 mil pessoas, convive com problemas nas áreas da saúde, educação, infraestrutura e segurança. Os índices de mortalidade infantil seguem acima da média nacional. A cidade tem baixo número de médicos e índices altos de violência urbana, com casos de tráfico humano e exploração sexual de crianças e adolescentes. A assistência médica é precária nessa região, pois o hospital mais próximo fica no município de Breves, a três horas de viagem de barco. Nesse lugar onde a renda por pessoa é inferior a R$ 200,00, a fome tem presença marcante. Quando a pandemia começou, a preocupação inicial era ainda mais básica do que com o cuidado médico. Tratava-se de garantir a alimentação das famílias que moram ali. A restrição à circulação trouxe efeitos imediatos à população de Portel. Com os portos fechados, muitos adultos que trabalham no descarregamento de mercadorias nas embarcações ficaram sem seus trabalhos informais e sem a renda para complementar a alimentação familiar.

Esforço emergencial
Nivaldo Miranda, 39, trabalha como carregador autônomo no porto da cidade e sentiu os impactos da pandemia em seu trabalho. Para sustentar os cinco filhos, ele e a esposa, Maria de Nazaré, 43, contam com o benefício do Bolsa Família, no valor de R$ 200,00, mais R$ 300,00, em média, que ganha transportando mercadorias em seu carrinho de mão. “Receber essa cesta foi uma surpresa!”, diz. “A nossa renda é pouca. É complicado. Tem dias em que não faço nada. Meu filho mais velho é que ajuda, porque trabalha batendo açaí e tira R$ 100,00 por semana”.
As crianças, que em sua maioria frequentavam a escola por causa da merenda, ficaram sem a principal refeição do dia, já que as instituições de ensino também precisaram suspender as aulas presenciais, assim como ocorreu com as atividades do CAME. “A partir desse momento, começamos a buscar editais de empresas que estão ajudando as organizações sociais”, diz a irmã Alzira. “O edital do Programa Comunidade, Presente!, do Itaú Social, foi um dos primeiros em que nos inscrevemos. E fomos aprovados!”. O programa tem o objetivo de mobilizar a participação de organizações da sociedade civil por meio de apoio financeiro pontual para infraestrutura, com perspectiva de melhoria da qualidade do atendimento e o desenvolvimento integral e inclusivo de crianças, adolescentes e jovens. Este ano, em virtude da pandemia, o programa contou com uma edição emergencial com objetivo de amenizar os impactos causados pela Covid-19.
“Uma alegria só!”
As cestas básicas foram montadas com itens como arroz, feijão, macarrão, charque e a indispensável farinha de mandioca — guarnição imprescindível no prato do paraense — além de kits de higiene e limpeza, que estão ajudando a evitar a disseminação do novo coronavírus nos cômodos das casas. A congregação levou em consideração a escolha de itens necessários para garantir a segurança alimentar por pelo menos 15 dias. Cada família recebe três cestas, com entregas em julho, agosto e setembro

“Estava vindo da pescaria, quando me falaram da cesta básica! Foi uma alegria só”, alegra-se a aposentada Lucimar Pereira, 67 anos, avó de um usuário do centro de atendimento, em um vídeo gravado pelos instrutores do CAME. “Isso ajuda muito. Eu agradeço a Deus por ter pessoas que desenvolvem projetos como este”, contou exibindo sua cesta no vídeo. As famílias receberão um total de três cestas, a primeira foi entregue em julho, e as outras duas em agosto e setembro.
“Uma criança alimentada aprende bem melhor. Esse é um dos problemas que encontramos com as crianças do projeto, apesar de estarem em séries avançadas, o aprendizado está abaixo do esperado para a idade e para o nível escolar”, explica a irmã Alzira. “Muitas crianças da 3ª ou 4ª série ainda não estão alfabetizadas. Nosso trabalho tem sido o de fazer esse processo de alfabetização de crianças que se encontram com baixo rendimento escolar e com déficit de aprendizagem”, diz.
Futuros possíveis
O CAME em Portel guarda com carinho alguns momentos importantes. Já recebeu a comenda de honra ao mérito, entregue pela prefeitura local pelos relevantes serviços prestados à comunidade. Possui duas importantes parcerias com a UNESCO, por meio do projeto Criança Esperança, e já recebeu a visita do ex-goleiro da seleção brasileira, Júlio César, que doou instrumentos musicais para as aulas de música e sapatilhas para as crianças que dançam no projeto de balé
Num aguardado futuro pós-pandemia, a congregação tem boas expectativas para a retomar os projetos de música, reforço escolar, ginástica rítmica e dança. “Queremos e vamos voltar mais fortes para alcançar um grande objetivo”, entusiasma-se irmã Alzira, com o intenso desejo de que as crianças se alimentem também de momentos de alegria, sossego e esperança por dias melhores. “Nossa meta é diminuir as sequelas deixadas pela pandemia nos aspectos emocional, social e educacional das famílias, estimulando as diferentes aprendizagens, atualização e acompanhamento do desenvolvimento tecnológico e científico”.
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