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Dez perguntas para

“É preciso debater sobre direitos humanos nas escolas”

Coordenador do Selo UNICEF, Mario Volpi fala sobre os desafios para a promoção do desenvolvimento e a garantia dos direitos da infância no Brasil


Dez perguntas para
Mario Volpi
Mestre em políticas sociais e membro do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Atuou na mobilização e atuação para aprovar o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Mario Volpi, sobre o relatório preparado pelo Coletivo RPU Brasil, apontando que o país vem descumprindo todas as recomendações das Nações Unidas relacionadas a educação e direitos humanos: “Gostaria muito de ver um professor de história, geografia ou sociologia levando esse relatório aos alunos de ensino médio para ser lido e discutido”. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador (BA)

Um levantamento feito pelo Coletivo RPU Brasil encontrou dados preocupantes. O país encontra-se em retrocesso em 46% das metas estabelecidas pela Revisão Periódica Universal (RPU), mecanismo de avaliação da situação dos direitos humanos nos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Na área da educação, por exemplo, nenhuma das 15 recomendações foi cumprida pelo Brasil durante o último ciclo de quatro anos e meio.

Recentemente, os direitos humanos têm sido tema de disputa de narrativas entre diferentes grupos políticos. “A expressão ‘direitos humanos’ passou a ser interpretada como se fosse algo diferente do que é”, explica Mario Volpi, mestre em políticas sociais e chefe do programa de cidadania dos adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). “O conceito é muito simples: toda pessoa, pelo simples fato de ser humano, tem direitos fundamentais.”

Mario é uma das maiores referências do país para os temas infância e direitos humanos. Membro do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, atuou na mobilização e atuação para aprovar o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 32 anos de implementação em julho de 2022. Conversamos com Mario sobre direitos humanos, infância, adolescência e os principais desafios do Brasil no desenvolvimento dessas áreas.

NNotícias da Educação — Crianças e adolescentes foram um dos públicos mais afetados pela pandemia?

MMario Volpi — Os indicadores que medem o número de mortes causadas pela Covid mostram que a população idosa do país foi a mais impactada. Perdemos mais de 600 mil pessoas na pandemia e não dá para estabelecer um critério de comparação nesse sentido. Quando se trata de crianças e adolescentes, os aspectos que mais os afetaram não são decorrentes do vírus em si, mas das condições a que foram submetidos por causa da pandemia. O Brasil foi um dos países que ficaram por mais tempo com as escolas fechadas e isso prejudicou a aprendizagem das crianças de forma muito relevante. Em estudos feitos a partir do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), observamos uma queda na aprendizagem de matemática e das linguagens, por exemplo. No estado de São Paulo, alguns indicadores regressaram a números que tínhamos há mais de dez anos. Além disso, o fechamento das escolas também teve impacto no trabalho infantil. Com a redução da renda das famílias, as crianças precisaram ajudar nas tarefas domésticas, no trabalho informal ou até pedindo esmola nas ruas. A violência também foi um fator grave. A escola e a participação da comunidade permitem que a criança se expresse e até revele situações de abuso ou maus-tratos. No confinamento, quando fica em casa somente com os cuidados dos responsáveis, todo o estresse causado pela pandemia gerou um ambiente de menor segurança para ela. Um último aspecto é o aumento da pobreza. As famílias que têm crianças foram as mais impactadas pela pobreza e pela fome, um fenômeno que o país já tinha administrado de alguma forma, mas agora voltou com tudo.

“O conceito de direitos humanos é muito simples: toda pessoa, pelo simples fato de ser humano, tem direitos fundamentais. Isso é um princípio civilizatório, humanizador e de equidade que foi necessário porque havia uma compreensão de que existiam humanos diferentes.”

NRecentemente, o número de crianças e adolescentes fora da escola ultrapassou a marca de 5 milhões. Como lidar com esse desafio?

MO país vai precisar fazer dois grandes investimentos. Um deles é na busca ativa das crianças e adolescentes, para que retornem à escola. As famílias têm um pouco mais de governabilidade com as crianças e por isso conseguem apoiá-las com uma estratégia mais simplificada. Com os adolescentes, contudo, será necessário um esforço para criar ambientes atrativos, mais relacionados ao mundo do trabalho e ao desenvolvimento das competências do século 21, como a conexão digital. Uma segunda estratégia é garantir a qualidade da educação para recuperar o tempo perdido. Depois das férias, os professores costumavam fazer exercícios para que as crianças relembrassem o que aprenderam. A diferença é que agora não se trata de dois ou três meses de férias, mas de dois anos em que os estudantes não estiveram na escola, muitos deles nem sequer estiveram conectados. Será necessário um diálogo para entender o que aprenderam durante esse período, pois o aprendizado também se dá fora da escola. Lembro de uma vez em que um jovem me perguntou: “Como a escola vai ensinar o que a gente não sabe, se ela não sabe o que a gente sabe?”. O processo não poderá ser com o professor voltando para a sala de aula, abrindo o livro em determinada página e seguindo dali. É necessário entender que houve um momento de grande impacto nas saúdes mental e física das pessoas e em suas relações sociais. As políticas de educação precisarão apoiar também os professores porque todos nós fomos impactados pelo isolamento.

NComo funciona o Pode Falar, iniciativa do UNICEF para lidar com questões de adolescentes relacionadas à saúde mental?

MNo começo da pandemia, fizemos lives com adolescentes, especialmente os dos Núcleos de Cidadania de Adolescentes (Nucas). Entre 300 e 600 jovens participavam semanalmente dessas lives. Observamos que surgiam perguntas com inquietações como “O que está acontecendo?”, “Como vou planejar meu futuro?” e “Vai ter aula ou não?”. No segundo semestre de 2020, fizemos uma enquete e notamos que a saúde mental era uma das coisas que mais preocupavam os adolescentes, além da renda, da alimentação e da educação. Havia muitas referências a se sentirem tristes, indecisos, angustiados ou ansiosos. Começamos, então, a trabalhar esse tema com os jovens nessas lives e a discuti-lo com educadores e mobilizadores. Percebemos que existem alguns canais de ajuda no país. O principal deles é o Centro de Valorização da Vida (CVV), mas ele não é focado em adolescentes. Entramos em contato e o CVV se colocou à disposição, mas já havia uma demanda enorme, que se multiplicou durante a pandemia. Sentimos também a necessidade de uma especialização para esse atendimento. Então, criamos o Pode Falar como uma resposta à necessidade de ter uma escuta focada nos adolescentes e jovens. Conectamos por meio de uma inteligência artificial, que permite ao adolescente responder a algumas perguntas, e quando ele diz que quer falar com alguém é transferido para o atendimento. A questão é que houve uma demanda muito grande porque não existe no país uma rede de atendimento aos adolescentes e jovens. O Pode Falar acabou virando essa rede, que nós ainda estamos construindo, para ser esse espaço de escuta.

NPor que é importante focar na adolescência?

MO momento da adolescência exige uma atenção específica. É uma fase da vida como as outras, mas tem vivências específicas que só acontecem nela. E, se não acontecerem, farão falta na fase adulta. Assim, essa abordagem específica da adolescência é importante. O adolescente das classes populares geralmente não tem a opção de entrar no seu quarto e fechar a porta, com a proteção da privacidade. Por isso, muitos deles preferem teclar porque estão numa casa de dois ou três cômodos, em que todo mundo escuta o que eles estão falando. Lidamos com muitos casos de adolescentes que estão descobrindo a sua sexualidade, querem falar com alguém sobre isso e obviamente não querem que os pais escutem o que estão falando. Às vezes, teclar era uma forma de proteger a intimidade do adolescente. O Pode Falar é um espaço de escuta para os adolescentes para os temas de saúde mental, o que pode ser desde uma tristeza, um momento de angústia e ansiedade, até uma situação em que é necessária a intervenção de um apoio mais específico, com o encaminhamento ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Quando o adolescente informa a cidade da qual está falando, às vezes pedimos o apoio do Conselho Tutelar. Tudo isso acontece de forma confidencial. Não há como identificar os adolescentes nem o número do telefone. É isso que torna o serviço seguro para proteger a intimidade e a identidade do adolescente.

“A igualdade faz bem para todos, e é isso que o princípio dos direitos humanos defende.”

NAlguns professores estão relatando dificuldades com o retorno às salas de aula porque algumas crianças estão mais introspectivas ou tímidas. Uma parte delas já nasceu durante a pandemia e está tendo o primeiro contato com a escola e com outras crianças. O que já se sabe sobre esse fenômeno?

MExistem algumas primeiras evidências de que a forma de socialização a que essas crianças vão ter acesso nos próximos anos será diferente. Elas viram os adultos usando máscaras e existe um processo de estranhamento. Tudo isso precisa ser abordado de uma forma tranquila e explicativa para que elas entendam por que as pessoas estão agindo dessa maneira. Na educação infantil, ou nas creches com as crianças pequenas, esse diálogo explicativo tem que acontecer no nível da compreensão delas, garantindo que entendam a importância de tomar alguns cuidados, como lavar as mãos. Contudo, também é preciso que compreendam que isso não deve impedi-las de interagir com as outras crianças. Não se trata de esconder a incerteza que se tem diante da pandemia, mas de propor um diálogo honesto com a criança para explicar as coisas que ela pode entender. Sem esse diálogo, pode-se gerar um impacto de introspecção, medo e insegurança. A liberação das vacinas para as crianças mais novas tende a deixar os pais mais seguros. É preciso trabalhar esse aspecto pedagógico com cuidado, mas sem criar uma sensação de insegurança e medo em função da pandemia. O cuidado é uma atitude, mas o medo é um sentimento que não é bom. 

NDe acordo com dados do Coletivo RPU Brasil, o país está em retrocesso nas metas de direitos humanos. A que se deve a dificuldade na garantia desses direitos fundamentais?

MA expressão “direitos humanos”’ passou a ser interpretada como se fosse algo diferente do que é. Extremistas costumam dizer que os direitos humanos são coisa de bandido ou pauta de organizações da sociedade civil (OSCs). Em verdade, é um conceito muito simples: toda pessoa, pelo simples fato de ser humano, tem direitos fundamentais. Isso é um princípio civilizatório, humanizador e de equidade que foi necessário porque havia uma compreensão de que existiam humanos diferentes. Alguns humanos podiam ser escravizados, outros não. Alguns podiam ter acesso à riqueza, outros não. O mesmo com o direito ao voto ou a frequentar determinados espaços. Rejeitar esse princípio implica definir uma parcela da população como não detentora de direitos. No Brasil, recuamos muito em relação aos direitos das populações indígenas, por exemplo. Elas têm os mesmos direitos de todos os outros seres humanos. Talvez até mais, por se tratar de populações que estavam nesse território e foram dizimadas. E agora precisam lutar por alguma compensação, pela demarcação da sua terra e pela preservação da sua cultura. Isso começou a sofrer um ataque que se diz ideológico, mas no fundo é econômico. O que se quer mesmo é ocupar as terras para fazer garimpo e plantar soja. A forma que encontraram para justificar esse interesse econômico é dizer que tem muita terra para pouco índio; ou que eles são preguiçosos, para criar uma ideologia de depreciação do direito desses seres humanos. 
A população negra é o maior alvo de discriminação. Um grande avanço ao explicitar o racismo é o de forçar a existência de políticas antirracistas. É necessário punir quem é racista. Não adianta um discurso mediador. Citei dois aspectos, mas posso falar de exclusão escolar, de renda, das desigualdades de gênero… Ainda hoje, existem mulheres que ganham 30% a menos que os homens para exercer a mesma jornada de trabalho. É arriscado dizer que o Brasil recuou nesses temas, mas o fato é que o enfrentamento diminuiu. Esses relatórios são muito importantes e podem ser usados como instrumentos educativos na sociedade. Gostaria muito de ver um professor de história, geografia ou sociologia levando esse relatório a alunos de ensino médio para ser lido e discutido. Parece uma coisa burocrática, mas é uma forma de o país entender o que está se passando. O discurso antidireitos humanos ganhou mais espaço, e de alguma forma ganha votos. Por isso, é preciso voltar a falar em direitos humanos em todos os espaços possíveis.

NEm relação à garantia dos direitos de crianças e adolescentes, quais experiências positivas de outros países podem inspirar o Brasil?

MÉ difícil fazer uma avaliação comparativa dos países em termos de quem defende mais ou menos. Aqueles mais ricos e desenvolvidos conseguem melhor promover uma igualdade social e um avanço no respeito aos direitos humanos. Podemos nos comparar com os países latino-americanos, como a Costa Rica. Mesmo com alguma dificuldade em função de mudanças de governo nos últimos anos, é um país que discute os direitos humanos na escola. Na província de Santa Fé, na Argentina, havia um forte processo educativo concentrado na questão da inclusão social, especialmente a de indígenas e de pessoas negras. Essa província começou a fazer um trabalho de inclusão por meio da arte e da educação para a diversidade, com um núcleo de professores e atividades de teatro, música e dança. Na Colômbia e no México, também há relatos de muitas experiências interessantes com a população indígena, como um conselho de juventude, que garantiu que os povos originários tivessem uma representação proporcional à sua presença na população. Também há exemplos na América do Norte, no Canadá também ocorreu algo parecido. Acho que o principal aprendizado é que todas essas políticas foram implementadas pela pressão da população e pela consequente decisão política do gestor. Então não adianta votar num candidato que não defende a educação e depois cobrar dele a educação. A pressão social pelos direitos humanos, pela igualdade, pela inclusão e pela não discriminação precisa vir seguida de uma escolha coerente com esses princípios. Hoje, quem faz educação em direitos humanos no Brasil são as organizações da sociedade civil, que estão vivendo dificuldades de recursos e enfrentando a oposição de políticos demagogos que vivem sob esses discursos. O grande desafio é trazer essas experiências de outros países para levar o debate dos direitos humanos para as escolas, de forma clara e objetiva. Se não tivermos essa percepção, a nossa sociedade caminhará para aprofundar as desigualdades e aumentar a violência. E a felicidade se tornará cada vez mais difícil de alcançar, para pobres e ricos. A igualdade faz bem para todos, e é isso que o princípio dos direitos humanos defende.

“No UNICEF, fizemos alguns estudos que mostraram que os investimentos feitos na primeira década da vida só se consolidam se houver um novo investimento na segunda década.”

NQue balanço pode ser feito dos 32 anos desde a implementação do ECA?

MO estatuto conseguiu colocar o debate dos direitos da infância e da adolescência no mesmo patamar dos demais. O tema da infância, antes tratado apenas pelas primeiras-damas, igrejas ou entidades assistenciais, entrou na agenda política. Ainda existe uma visão assistencial e caritativa sobre a infância, mas grande parcela da sociedade já entende os direitos da infância como uma estratégia fundamental para o desenvolvimento do país. Assegurar os direitos da criança é a única forma de promover um desenvolvimento sustentável. Nenhum país se desenvolveu sem assegurar os direitos da criança. Uma das primeiras medidas da Revolução Industrial na Inglaterra foi reduzir o trabalho infantil. Não é um elogio, pois a medida era parte de uma visão pragmática, mas mostra que as crianças e adolescentes representam a possibilidade de um desenvolvimento sustentável, à medida que o Estado investe em suas duas primeiras décadas de vida. No UNICEF, fizemos alguns estudos que mostraram que os investimentos feitos na primeira década de vida só se consolidam se houver um novo investimento na segunda década. O ECA e o Estatuto da Juventude são complementares e mostram a importância desse desenvolvimento. 
Entretanto, ainda temos problemas na execução da questão socioeducativa para os adolescentes em conflito com a lei. Muitas das unidades de atendimento socioeducativo são verdadeiras prisões, quando deveriam ser espaços de socialização. A educação avançou na inclusão escolar, com praticamente 99% das crianças de 6 anos matriculadas no ensino fundamental, porém mais de 1,5 milhão de adolescentes de 15 a 17 anos estão fora da escola. Os problemas são a qualidade da educação e a cultura da reprovação e da repetência. Melhoramos o acesso à saúde, mas a vacinação — ponto em que o Brasil era referência, com a erradicação de diversas doenças — encontra-se numa situação gravíssima nos últimos cinco anos em relação à baixa cobertura vacinal para as crianças menores de um ano. Diminuímos a incidência da gravidez na adolescência, contudo a taxa de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos grávidas não diminuiu na mesma proporção que a de 15 a 19. Isso é inaceitável. Em resumo, pautamos o tema do direito da criança, conseguimos melhorar o acesso às políticas públicas, conseguimos aumentar as instituições que se dedicam à causa da infância, as OSCs, os grupos comunitários, as políticas sociais, o número de Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) criados no país. Mas o grande desafio permanece: garantir a qualidade desses serviços.

NO ECA define que o cuidado com as crianças é dever de toda a sociedade. O que pessoas adultas podem fazer para contribuir para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes?

MA primeira ação é dialogar sobre a própria ideia de ter direitos, tratando a criança e o adolescente como sujeitos, para que se entendam as suas perspectivas e as suas vontades. É preciso um trabalho pedagógico porque muitas pessoas interpretaram a ideia de ter direitos como uma espécie de poder absoluto das crianças. Na verdade, isso é uma forma de negligência. A criança decidir o que vai comer ou vestir não tem nada a ver com a garantia de direitos. O sujeito de direito é um sujeito de diálogo. A criança amadurece pela aprendizagem, e muitas coisas são de responsabilidade dos pais. A decisão sobre o que o meu filho vai comer é uma responsabilidade minha: a de garantir uma boa alimentação. Posso explicar que ele precisa comer determinados alimentos para ter um desenvolvimento saudável. Os pais devem entender os direitos e ajudar a criança a exercitá-los. Por exemplo, o exercício do direito à saúde implica a proteção da própria saúde. O direito à educação implica ir à escola. Assim também com os professores que dizem que um aluno está no direito dele se não quer fazer a tarefa. Não é bem assim. A educação sobre os direitos da criança implica o conhecimento e o diálogo sobre esses direitos.

NO que motiva você a trabalhar pela defesa dos direitos das crianças e adolescentes?

MQuando jovens, pensamos no que fazer para ajudar a melhorar o país. O que mais me motiva é entender que a mudança é geracional. Quanto mais adulto, mais acomodado, porque se conquistaram coisas que não se quer perder, e aí a pessoa se expõe menos. As grandes mudanças nos países acontecem pelas mudanças que as gerações vão promovendo. A minha geração superou uma ditadura militar. A atual vai ter que superar um retrocesso nos direitos humanos. Acredito muito nessa consciência do próprio papel adquirida pelos jovens, a capacidade de pensar diferente daquilo que está sendo colocado. Aprendi muito com os meninos de rua. Quando morei em São Leopoldo (RS), fui fazer uma abordagem de educação social de rua que começa com a ida aos lugares onde os adolescentes ficam e uma aproximação muito discreta. Pergunto o nome, converso por dez minutinhos para ir criando um vínculo. Tinha um menino ali engraxando sapatos, e ele veio me pedir uma moeda. Falei que não tinha. Então, perguntou se eu tinha um passe de ônibus para ele e repeti a resposta. Finalmente, pediu que eu lhe pagasse um sanduíche. Já comecei a elaborar o meu discurso pedagógico para explicar que estava ali para conhecer e tal… Mas falei: “Cara, não tenho dinheiro para pagar um sanduíche para você”. Foi quando ele pôs a mão dentro de sua caixa de sapato, tirou uma bolinha de gude e falou: “Cara, você é um lascado. Toma isto aqui para você”. Ali apreendi a ideia de que todo mundo tem alguma coisa para dar. Essa brincadeira da bolinha de gude me impactou muito e eu a tenho guardada até hoje. A minha motivação está também em aprender com aqueles que as pessoas acham que não têm nada a ensinar.

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