

Por Livia Piccolo, Rede Galápagos, São Paulo
Tempo de tela e as consequências negativas da exposição excessiva ao universo digital são preocupações das famílias e dos educadores. Com a pandemia do coronavírus, a imersão no mundo digital aumentou ainda mais para crianças e jovens. É compreensível, portanto, que a pauta dos benefícios e malefícios das telas tenha entrado de vez nas discussões sobre infância e educação. Além disso, novos produtos e experiências digitais surgem a cada dia. Entre eles estão a literatura digital e os livros digitalizados.
À primeira vista eles podem parecer a mesma coisa. Mas essa é uma dúvida que o Guia para mediação de literatura infantil digital, desenvolvido pelo Itaú Social, esclarece. Segundo o documento, “a literatura infantil digital é um tipo de trabalho artístico com uma linguagem que se utiliza das diferentes possibilidades das mídias digitais para a construção de obras com narrativas e poéticas para crianças. Tem como características fundamentais a interatividade e a multimodalidade”. Nesse sentido, recursos de áudio, por exemplo, diferenciam a literatura digital dos livros digitalizados. Um livro digitalizado é primo-irmão do livro impresso. Já a literatura infantil digital tem autonomia própria; seus recursos de áudio e interação, entre outros, não podem ser reproduzidos no papel. Vale dizer que os recursos de áudio abarcam uma variedade de possibilidades: voz narrada, ruídos que compõem a história, música e a voz dos próprios leitores.
Um ponto importante levantado pelo Guia para mediação de literatura infantil diz respeito à complementaridade das diferentes literaturas. O livro impresso, o livro digitalizado e a literatura digital podem conviver e fazer parte da construção do hábito de leitura de crianças e jovens.
Onde encontrar a literatura digital? Conhecendo os dispositivos
A literatura digital pode ser encontrada gratuitamente na internet ou em lojas e aplicativos especializados. Ela pode ser lida em computadores, smartphones, tablets ou através de um projetor acoplado ao dispositivo — essa última opção pode criar uma experiência divertida em família! Com um pote de pipoca, melhor ainda. A conexão à internet garante o download e o acesso à obra.
O guia destaca aspectos muito relevantes da literatura infantil digital. A maioria das obras permite uma leitura off-line, sendo mais controlável que outros conteúdos digitais. Nesse sentido, pais e cuidadores podem disponibilizar os dispositivos sem colocar a segurança das crianças em risco. Isso porque é possível fazer download das obras e oferecê-las sem a necessidade da internet e das redes sociais. O programa Leia com uma criança, do Itaú Social, tem a seção Estante Digital, em que é possível ler diversas obras com apenas um clique ou então baixá-las no celular ou computador.

Essa facilidade de acesso dá à literatura infantil digital uma característica valiosa: é possível levá-la para todos os lugares; sua mobilidade é ainda maior do que a dos livros impressos. Os livros baixados da Estante Digital e outros sites similares podem ser lidos com a criança na fila do pediatra, no ônibus, no parque, entre outros lugares.
O menino e o foguete, de Marcelo Rubens Paiva, com ilustrações de Alexandre Rampazzo, foi a escolha do Raul na Estante Digital. Li com ele logo depois do banho, enquanto seu pai preparava o omelete do jantar. A navegação pelas páginas do livro foi intuitiva e Raul gostou da facilidade com que ele podia mudar de uma ilustração para outra. Ao final da leitura fiz questão de observar a diferença entre as páginas de um livro impresso e aquelas da obra O menino e o foguete. “No impresso os dedos sentem a textura do papel, na tela os ouvidos escutam os ruídos da história.” Ele concordou.
A importância da mediação
Eu e o Raul, de sete anos, navegamos pelas histórias com o auxílio do meu celular pessoal, o que levanta uma questão central dentro da experiência da literatura infantil digital: a mediação. O guia desenvolvido pelo Itaú Social diz que “para que as crianças possam conhecer o ambiente virtual, aprender a selecionar as obras, a interagir com segurança, construir sentido a partir dessa experiência e a desfrutar das potencialidades narrativas e poéticas, a mediação de um adulto é fundamental”.
O adulto não fica ao lado da criança somente para emprestar o dispositivo móvel ou controlar o que ela faz com o equipamento. O guia destaca três funções do mediador, que desempenha um papel ativo. Em primeiro lugar, é ele “quem cria oportunidades de leitura a partir de uma seleção criteriosa de obras que ajuda de forma acolhedora e estimulante o leitor a enfrentar os desafios de entrar em um novo universo literário”. Ou seja, o adulto pode fazer uma curadoria que vise expandir o universo de referências da criança.
Em segundo lugar, o mediador também tem o papel de dar suporte ao leitor infantil na compreensão da obra, na observação atenta dos seus recursos, no manuseio, navegação e no modo de realizar as interações, que nem sempre são simples. Por mais que as interfaces sejam programadas para serem descomplicadas e acessíveis, a depender da idade da criança ela pode se sentir confusa com a navegação. E, por fim, segundo o guia, “cabe ainda ao mediador oferecer uma escuta ativa e proporcionar trocas que desenvolvam laços afetivos e ampliem os sentidos da leitura, por meio de conversas ou abrindo espaço para que o leitor expresse de outras maneiras os efeitos que a experiência literária lhe causou”. A experiência que tivemos aqui em casa mostrou que a literatura digital desperta o interesse das crianças e a vontade de criar. A literatura infantil digital convida a criança a participar da narrativa, dando-lhe protagonismo.

O Inventeca StoryMax é um site em que é possível baixar algumas obras gratuitamente ou fazer um plano de assinatura; trata-se de uma das sugestões do guia, entre outros sites e aplicativos. Nas narrativas da Inventeca a criança pode criar sua versão de uma história previamente ilustrada e salvá-la no aplicativo. Conforme as imagens surgem na tela, a criança pode narrar e inventar o que quiser; o áudio fica salvo no aplicativo e a criança pode dar um nome à história de sua autoria. Descrever os personagens das imagens e criar diálogos entre eles são algumas das possibilidades. Experimentei a versão gratuita dem casa, com o Raul, e foi sucesso total! Ele escolheu uma das histórias disponíveis, logo em seguida entendemos a interface — que é simples — e ele começou a narrar. Sua história ganhou o nome de “Dragão de mentira”.
Cuidados importantes
O guia não deixa de trazer à tona a importância de considerar a duração e o momento da leitura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o uso de telas seja limitado na primeira infância. A maioria das obras de literatura infantil digital pode ser lida integralmente em menos de 30 minutos e, portanto, não ultrapassa a recomendação diária para crianças acima de dois anos. É válido lembrar, também, que crianças e jovens precisam de um bom sono restaurador, e telas devem ser evitadas no momento de ir para a cama. A higiene do sono é fundamental para que a criança durma sem muita resistência e possa reter os muitos aprendizados do dia.
Além de algumas dicas para realizar a leitura compartilhada em casa, o guia termina com um glossário que explica alguns termos próprios do universo da literatura infantil digital, tais como desenvolvedor, multimodalidades e paratextos. Se esse universo, à primeira vista, parece complicado e restrito aos jovens hiperconectados, saiba que ele é convidativo, gentil e criativo. Tudo o que queremos para as crianças.
Saiba mais
- Guia para mediação de literatura infantil digital
- Estante Digital – Leia com uma Criança
- Leia com uma criança
- O menino e o foguete — Leia com uma criança
- Inventeca StoryMax
- Mediação de literatura infantil digital — Polo
- Webinário: A leitura no mundo digital
Leia mais