
Por Caco de Paula, Rede Galápagos, São Paulo
Educadores do ensino fundamental de todo o Brasil têm até o próximo domingo, 27 de agosto, para se inscrever no curso gratuito Avaliação Formativa na Prática. Parceria entre o Itaú Social, a Sincroniza Educação e o BID, essa iniciativa é uma formação on-line de 20 horas que capacita os educadores em estratégias de avaliação que transcendem as simples notas, focando no desenvolvimento integral do estudante. Educadores que buscam ampliar sua compreensão sobre avaliação podem aproveitar para se inscrever neste link. Nos parágrafos a seguir, trazemos mais detalhes sobre o curso e uma entrevista que ajuda a entender melhor o conceito e a prática de avaliação formativa e sua importância para a educação. Notícias da Educação conversou com o professor César Augusto Amaral Nunes, pesquisador associado ao Gepem/ Faculdade de Educação da Unicamp e autor do conteúdo do curso. “Ao concluírem esse curso, os educadores estarão mais capacitados para promover uma aprendizagem significativa e reflexiva, na qual cada aluno é visto em sua singularidade”, diz o professor. “Mais do que simplesmente ensinar, o curso é uma proposta que busca entregar ao mundo educacional profissionais engajados, colaborativos. Em resumo, uma jornada que não apenas educa, mas, acima de tudo, transforma.”
O curso alia teoria e prática de forma a colocar o educador no epicentro do processo de aprendizagem. O objetivo? Favorecer a reflexão sobre práticas avaliativas que, muitas vezes, se reduzem a julgamentos, notas e rankings. A metodologia desse curso desafia os professores a coletar evidências da trajetória de aprendizagem dos alunos, incentivando a reflexão, a autoavaliação e a avaliação entre pares. Utilizando a abordagem da homologia de processos, a formação propõe uma profunda desconstrução de conceitos preestabelecidos, permitindo que os educadores explorem novos métodos e estratégias avaliativas.
O conteúdo é articulado em quatro módulos:
- Cuidar ao mesmo tempo de cada aluno e do coletivo — Este módulo destaca a necessidade de uma visão educacional holística, promovendo o desenvolvimento integral e personalizado do aluno.
- Estratégias, métodos e seus limites — Aqui, a avaliação formativa é o foco, ensinando métodos como rubricas, evidências de aprendizado e colaboração, proporcionando uma avaliação mais rica e flexível.
- Espaços de transformação — Reconhecendo os desafios de introduzir novas práticas em ambientes tradicionais — Este módulo fornece ferramentas para promover a mudança e superar resistências culturais.
- Aprender a aprender com o outro — Enfatizando a colaboração, este módulo convida os educadores a formar uma comunidade de aprendizagem, em que a troca e o apoio mútuo são valorizados.
O professor César Augusto explica que o sistema educacional brasileiro tem, historicamente, centrado sua abordagem avaliativa na avaliação somativa. Essa modalidade, marcada por testes em massa, ocorre depois do processo de aprendizagem, fornecendo uma visão retrospectiva do desempenho dos alunos. Em contraste com a avaliação formativa, que busca entender e intervir nas necessidades específicas de cada estudante durante o processo de aprendizado, a avaliação somativa concentra-se predominantemente nos resultados médios, muitas vezes desconsiderando as singularidades e particularidades de cada aluno. A prática pedagógica, sob influência dessa avaliação somativa, acaba sendo direcionada para atender a essa média, em vez de se adaptar às diferentes necessidades dos estudantes. A boa notícia é que esse é um cenário em mudança e com tendência para melhorar, como explica o especialista em avaliação educacional na entrevista a seguir. “O panorama educacional brasileiro, embora ainda esteja fortemente ancorado na avaliação somativa, apresenta sinais claros de uma evolução em direção a práticas mais formativas e inclusivas no futuro próximo.” Membro do Grupo de Trabalho Ética, Democracia e Diversidade do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp e do Grupo de Pesquisa e Inovação do Pisa, na OCDE, o professor tem especialização em Ensino para a Compreensão e Avaliação Educacional,pela Faculdade de Educação da Universidade Harvard, e em Implementação de Políticas Públicas, pela Escola de Administração da Universidade Harvard.
NNotícias da Educação — Por onde devemos começar para compreender a avaliação formativa?
CCésar Augusto Amaral Nunes — É interessante começar com a ideia de ensino, que é muito antiga. Uma linha na qual acredito remonta a Pestalozzi e John Dewey, representantes de uma perspectiva de grandes educadores que sempre acreditaram que o ensino deve estar conectado com a realidade. Esse ensino faz sentido para o aluno, é significativo, pois ele pode pensar onde usar o que aprende. Nesse processo o aluno se sente compelido, convidado, capaz. Há vários outros grandes educadores que trabalharam com essa ideia ao longo de muito tempo, mais de 100 anos. Falo de Pestalozzi e Dewey, do começo e primeira metade do século 20. E aí tem todo o movimento de Escola Nova e tal. Estou enfatizando isso porque essa linha de pensadores sempre tratou o ensino como um processo que mistura aprendizagem e avaliação. Então, essa ideia que nós temos hoje de que a avaliação é algo separado é recente, muito entre aspas. Esses grandes educadores nunca fizeram uma distinção tão clara de por que eu tenho que ensinar e depois é que vou avaliar… Para eles, se estou ensinando, já estou vendo se o aluno está aprendendo e, se não estiver, ensino de outra maneira ou interajo mais com estes ou com aqueles alunos. E isso, em princípio, quando você tem poucos alunos, é algo quase evidente, porque você tem um contato maior, nessa perspectiva de que o ensino faça sentido. Então, o professor vai checando… Não é uma boa palavra, mas ele vai verificando se está fazendo sentido, se ele entendeu, se consegue usar… Nessa perspectiva, não deve haver a separação de avaliação do ensino e da aprendizagem.
“O professor deve monitorar o aluno continuamente, não apenas ao final de um período. Assim, identificadas lacunas na aprendizagem, intervenções podem ser feitas imediatamente.”
NO que essa separação provoca na prática pedagógica e no processo de avaliação?
CQuando a avaliação e o ensino são tratados como entidades separadas, a tendência é dizer: “Ensinarei primeiro e depois avaliarei o aprendizado do aluno”. Isso nos leva a fazer uma avaliação diagnóstica para entender o ponto de partida do aluno, seguida por uma avaliação somativa ao final para verificar o que foi assimilado. Esta última, que agrega todo o aprendizado, tornou-se uma prática-padrão entre os educadores. Importamos dos Estados Unidos a ideia de que a avaliação somativa determina o sucesso do aluno — uma nota que define se ele avança de ano ou se ele se qualifica para uma universidade. Assim, surgiram padrões que avaliam o trabalho do professor com base nas notas dos alunos, simplificando o complexo processo de ensino-aprendizagem.
Quando um professor avalia um grupo de alunos, ele geralmente adota um padrão médio, mesmo observando variações individuais de conhecimento e habilidade. No sistema atual, com turmas grandes, essa abordagem acaba sendo homogeneizada. As avaliações, sejam elas diagnósticas ou somativas, servem mais como um indicativo geral do progresso da turma do que como ferramentas de adaptação pedagógica. Infelizmente, isso resulta em um ciclo de repetição, especialmente para alunos com desafios. O método de ensino permanece o mesmo, independentemente das necessidades individuais, perpetuando defasagens e retenções. Precisamos questionar essa abordagem e buscar métodos mais flexíveis e adaptativos.
NPor quê?
CA importância da avaliação diagnóstica e somativa cresceu com a expansão da educação. Antigamente, somente os filhos da elite frequentavam os anos escolares mais avançados. O restante parava nos anos iniciais. Com políticas que defendiam a alfabetização de todos e a conclusão do ensino fundamental e médio, o problema de repetência tornou-se crítico. Se uma política exige a conclusão, reter alunos significa falhar no objetivo. Muitos alunos desistiam após repetir por anos, influenciados por pais que viam a escola como inútil nesses casos.
A partir dos anos 1980, houve um forte movimento para inclusão de todos os alunos nas escolas. Conquistamos a universalização do ensino nos anos iniciais, mas com um declínio na qualidade. Há um equilíbrio difícil entre quantidade e qualidade na educação. Anteriormente, ensino e aprendizagem eram vistos como processos simultâneos, com uma interação contínua entre professor e aluno. A distinção atual faz com que, muitas vezes, só percebamos as falhas no final do ano, quando é tarde demais para a recuperação. O modelo de avaliação que muitos países adotaram, incluindo Estados Unidos e Brasil, é problemático. Enquanto alguns países evitaram esse sistema, o Brasil ainda está preso a ele. E a questão que surge é: se avaliações são a solução, como devem ser feitas?
NQual o modelo de avaliação predominante no Brasil hoje?
CNosso modelo é guiado principalmente pela avaliação somativa. Possuímos provas de larga escala que pretendem indicar a qualidade da educação, mas se transformaram em uma espécie de competição. É importante contextualizar: a avaliação formativa sempre existiu, focando na relação próxima entre professor e aluno e em objetivos de desenvolvimento amplos. Contudo, em certo momento, as avaliações tornaram-se muito tecnocráticas, sob uma óptica de que tudo deve ser mensurado e cobrado. A ideia era: “Vamos aumentar a eficiência e, se o Estado não fizer a sua parte, será cobrado”. Assim, como representar eficiência em educação? Através das notas dos alunos. Essas avaliações foram se restringindo, abordando principalmente língua portuguesa e matemática, desconsiderando outras disciplinas. O método transformou-se predominantemente em testes de múltipla escolha. Aquela concepção de aprendizagem significativa, em que o aluno aplica o conhecimento em situações práticas, foi deixada de lado. Assim, a educação foi direcionada a metas estreitas, apesar de muitas vezes termos objetivos mais amplos declarados. O resultado? Professores, escolas e administrações locais são pressionados por esses resultados específicos, restringindo o ensino a essas métricas. Estou traçando um panorama amplo aqui.
“John Hattie realizou uma meta-análise de 800 práticas pedagógicas, identificando a avaliação formativa como o fator de maior impacto no desempenho dos alunos. Esse estudo influenciou políticas públicas educacionais em vários países.”
NQual o impacto dessa dinâmica na relação professor/aluno?
CEstamos lidando com uma cultura que foca em medir a eficiência do serviço público; nesse caso, a educação. Quando se adota essa perspectiva de avaliação externa, o professor tende a ensinar para o teste e os municípios cobram melhores resultados, limitando os objetivos da educação. Alunos com dificuldades acabam ficando para trás. Países que priorizaram esse tipo de avaliação, como os Estados Unidos, mostraram estagnação em comparações internacionais, como o Pisa. Em contraste, países como a Finlândia, que não têm o foco principal em testes, destacaram-se positivamente. Esse direcionamento extremo a avaliações padronizadas mostrou-se menos eficaz ao longo do tempo. O Canadá, por exemplo, reconheceu os danos desse sistema e começou a se adaptar.
O próprio Pisa evoluiu. Anteriormente focado em testes de múltipla escolha, passou a exigir mais reflexão dos alunos. A partir dessas observações, percebeu-se a necessidade de uma abordagem pedagógica mais próxima: o professor deve monitorar o aluno continuamente, não apenas ao final de um período. Assim, identificadas lacunas na aprendizagem, intervenções podem ser feitas imediatamente. Nesse contexto, a avaliação formativa torna-se crucial.
NO conceito é focado principalmente em individualizar a ação e o cuidado?
CA avaliação formativa foca em um olhar atencioso e individualizado para cada aluno na sala de aula, com o objetivo de auxiliar todos em suas necessidades específicas. O professor monitora a aprendizagem de cada estudante, adaptando as atividades e interações conforme as demandas individuais. Esse processo, que também inclui devolutivas ou feedbacks, pode implicar dedicar mais tempo a certos alunos ou promover atividades colaborativas entre eles. Para executar essa abordagem, o educador precisa de estratégias e metodologias que permitam uma interação mais rica com a turma. A avaliação formativa é esse acompanhamento contínuo, em que o professor ajusta seu feedback para cada estudante. A perspectiva muda: em vez de focar apenas na nota final, reconhece-se o ponto de partida e o potencial de desenvolvimento de cada aluno, buscando contribuir para o progresso de todos, mesmo que apresentem diferentes ritmos de aprendizagem. Essa abordagem pode representar um desafio adicional para o professor, mas visa ao crescimento integral da classe.
“Entendemos que todos têm maneiras distintas de aprender, mas todos têm o potencial para crescer. Esse foco no autoconhecimento e direcionamento pessoal é crucial para a educação contemporânea.”
NA abordagem formativa está sendo mais percebida pelos formuladores de políticas públicas?
CA avaliação formativa, que foca em um acompanhamento mais próximo do aluno, ganhou destaque nos anos 1990 com os estudos de educadores como Dylan William e Paul Black. Eles demonstraram que quando o educador se concentra individualmente nos estudantes, não só os alunos se beneficiam, mas os resultados gerais também melhoram, modificando a cultura educacional para que todos avancem. Nos anos 1990, influenciados por esses achados, diversos países reformularam suas políticas educacionais. Além disso, John Hattie, em sua obra de 2006-2008, realizou uma meta-análise de 800 práticas pedagógicas, identificando a avaliação formativa como o fator de maior impacto no desempenho dos alunos. Esse estudo influenciou políticas públicas educacionais em vários países.
A ideia central da avaliação formativa é que o professor não apenas avalie para dar uma nota, mas acompanhe e guie o aluno durante todo o processo de aprendizagem. Embora as provas finais ainda existam, a ênfase muda para a intervenção contínua do educador. Muitos países adotaram essa abordagem, exceto alguns como os EUA e a Austrália, que posteriormente também incorporaram essa visão e observaram avanços na qualidade da educação. Andy Hargreaves refere-se a esses métodos mais tecnocráticos como a “terceira onda da educação”, caracterizada pela busca obsessiva de resultados e pressões extremas sobre os professores. Porém, o método que propõe colaboração entre professores e um olhar mais atencioso para com os alunos é chamado de “quarta onda”, focado na inclusão e no cuidado individualizado, evitando o erro de focar apenas nas médias.
“Os focos do curso são: a mudança de práticas, o desenvolvimento integral dos alunos, a promoção da autorregulação dos alunos e o estímulo à aprendizagem colaborativa.”
NQuais são os principais objetivos que o curso busca alcançar para os educadores?
COs objetivos centram-se em promover a aprendizagem colaborativa. Reconhecemos que mudar práticas pedagógicas é desafiador devido a diversos contextos e históricos pessoais. Por isso, enfatizamos uma aprendizagem em que os professores se apoiam mutuamente, sendo esse apoio recíproco um reflexo do que também se espera que os alunos desenvolvam em sala. Além disso, buscamos a homologia de processos, em que o que o professor vivencia, seja aprendendo ou colaborando, é fundamental para aplicar a avaliação formativa em sala de aula. O terceiro pilar é a autorregulação. Nosso objetivo é estimular os educadores a entender suas necessidades individuais e, a partir disso, adotar ações específicas para progredir. Esse autoconhecimento é vital, não apenas para o ensino, mas para a vida como um todo. Por último, damos ênfase ao reconhecimento da variabilidade de aprendizagem. Entendemos que todos têm maneiras distintas de aprender, mas todos têm o potencial para crescer. Esse foco no autoconhecimento e direcionamento pessoal é crucial para a educação contemporânea.
NQual outro conceito-chave foi trabalhado nesse curso?
CUm dos conceitos centrais é o desenvolvimento integral. Isso significa valorizar tanto as competências socioemocionais e sociais quanto as competências cognitivas. O objetivo primordial do curso é a mudança de práticas pedagógicas. Diferentemente de cursos tradicionais, que apenas apresentam teorias para eventual aplicação, o nosso convida o professor a experimentar e implementar novas abordagens em tempo real. Assim, à medida que os educadores aprendem, eles colocam em prática e compartilham suas experiências, promovendo uma cultura de colaboração. Portanto, os focos do curso são: a mudança de práticas, o desenvolvimento integral dos alunos, a promoção da autorregulação dos alunos e o estímulo à aprendizagem colaborativa.
NO senhor destaca a autorregulação e o autoconhecimento como metas. Isso se aplica tanto a alunos como a professores?
CSim, tanto alunos como professores são incentivados à autorregulação. Quando o professor se dá conta de suas resistências às mudanças, já é um avanço. Uma das metas é desenvolver certas “disposições” dos educadores. Uma é a busca pelo aprofundamento no conhecimento, como entender o que é a avaliação formativa e como aplicá-la. Outra disposição é a flexibilidade para experimentar novas abordagens. Além disso, a colaboração é crucial: compartilhar experiências, aprender com os colegas e servir de inspiração para os demais. O curso incentiva o desenvolvimento dessas disposições, reconhecendo que cada professor é único e avançará de acordo com seu ritmo e possibilidades, assim como se espera na avaliação formativa dos alunos.