
Por Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social
Quem trabalha com educação sabe que a escola é um dos principais instrumentos criados pela civilização. É o espaço de convivência, acolhimento, inclusão, socialização e formação de cada sujeito que vai continuamente contribuir para a construção de uma sociedade mais saudável, justa e inclusiva. A escola de hoje é fruto de muito esforço e conquistas de profissionais e lideranças que têm estado na linha de frente das ações e discussões em favor dessa melhoria e no dia a dia das salas de aula. “Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.” O enunciado de Paulo Freire é um chamado para olharmos a essência dessa grande invenção, hoje um órgão vital da comunidade humana, que com ela evolui e melhora: pessoas que trabalham ajudando pessoas a transformar o mundo.
Neste momento, a simples menção da palavra escola remete às cenas dos terríveis ataques ocorridos recentemente. Fatos que provocam variadas discussões, todas muito importantes. Nelas há antes de mais nada espaço para um grande pesar. E aqui expressamos a nossa solidariedade a todas as pessoas direta ou indiretamente afetadas. E é preciso reconhecer que de alguma maneira fomos todos afetados. Há também uma discussão sobre segurança pública e meios de inteligência que possam identificar sinais de perigo — ações no mundo presencial e no discurso de ódio no mundo digital — e permitir rápidas respostas de proteção às escolas. Existe também a percepção de medo, a indignação e uma gama de sentimentos, reações humanas compreensíveis e que devem ser objeto de atenta escuta e cuidadosa consideração.
É preciso, contudo, cuidar para que não se tire a luz das questões mais ampliadas de convivência, pertencimento e relacionamento nas escolas. Aqui estamos falando de situações que ocorrem no dia a dia do ambiente escolar, de bullying, de atitudes, crenças, práticas, de preconceito, de discriminação. Todos os marcos sociais de desigualdade que acontecem cotidianamente são violências que também afetam profundamente e que, para muitas crianças, fazem parte dessa experiência da vida na escola como espaço de convivência.
O educador sabe que a pandemia passou, mas que ainda sofremos muitos dos seus efeitos. Nesta edição de 20 de abril, da newsletter Notícias da Educação, procuramos olhar para o contexto mais amplo, para além dos fatos já tão fartamente noticiados. “Precisamos não só da prevenção, mas da pós-venção, em especial para minimizar o impacto nas pessoas que estão sofrendo com o ocorrido”, diz a professora Telma Vinha, da Faculdade de Educação da Unicamp e coordenadora associada do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral, o Gepem, da Unesp/Unicamp, uma de nossas entrevistadas.
Fomos ver os números e conclusões de pesquisas que realizamos junto com instituições parceiras. Estudos feitos antes dos fatos mais recentes — mas já num clima escolar deteriorado pelo período de pandemia — mostram um crescimento da demanda por apoio psicológico por parte dos estudantes e um grande pedido de atenção e escuta por parte dos professores. Fomos também ouvir as recomendações da Childhood Brasil, instituição que em seu trabalho de proteção à infância e à adolescência inclui orientação a famílias e educadores sobre navegação mais segura na internet.
Concluímos que há muitas formas de abordar a questão. E acreditamos que o mais importante agora é expressar a nossa confiança na escola como espaço de convivência, no seu papel e na sua potência para a melhoria efetiva da sociedade, ressaltando a necessidade de levar cada vez mais apoio aos profissionais que nela trabalham. Um apoio não apenas técnico, relacionado aos currículos e às áreas de conhecimento, mas principalmente de suporte para que se construa uma arquitetura saudável de relações e de convivência. A comunidade escolar não pode ser deixada sozinha, ou se isolar. Quanto mais e melhor se relaciona com as famílias e o território, e quanto mais estiver apoiada como parte da rede de proteção dos direitos da criança e dos adolescentes, mais saúdavel e cuidada estará para exercer seu papel.
Por isso neste momento, mais do que nunca, é importante que a sociedade abrace a escola como espaço de construção de relacionamentos sociais e desenvolvimento integral, promovendo o acolhimento e o apoio psicológico aos profissionais da educação, estudantes e comunidade escolar, todos afetados pelos recentes acontecimentos. É preciso oferecer suporte para que os profissionais tenham tempo de ser acolhidos e de poder preparar estratégias que fortaleçam os vínculos e o senso de pertencimento entre os estudantes, em benefício da melhoria da qualidade das relações. Estamos falando em reconfigurar a convivência para um modo de equidade, sem discriminação ou preconceitos, no qual as crianças se sintam acolhidas, independentemente de seu CEP, raça, cor, gênero, deficiência ou nível socioeconômico.

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