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Além da escolha entre o urgente e o fundamental

Confira o artigo da superintendente do Itaú Social, Patricia Mota Guedes, publicado no jornal O Estado de São Paulo no dia 18 de abril


Por Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social

Ao se completarem os 100 primeiros dias dos novos governos, alguns temas relevantes têm garantido holofote no debate público, como a alfabetização, o ensino médio, a conectividade e a expansão das escolas em tempo integral. Outros, igualmente estratégicos, permanecem na margem ou esquecidos. Se, por exemplo, você é um estudante de 11 anos que acabou de começar o 6.º ano do ensino fundamental, é grande a chance de que vai ouvir muito pouco ou nada sobre o que o País tem a lhe oferecer em termos de boas novidades para os próximos quatro anos da sua vida escolar. É grande a chance de que sua escola e seus professores não tenham condições de lhe oferecer aulas que façam sentido e tragam alegria, experiências que lhe ajudem a atravessar com seus colegas o turbulento começo da adolescência.

A etapa do 6.º ao 9.º ano, ou anos finais do ensino fundamental, é justamente quando os níveis de desempenho, permanência e aprovação mais caem, aumentando as desigualdades antes mesmo que adolescentes consigam sequer chegar ao primeiro ano do ensino médio. Entretanto, esse período tem sido tratado historicamente de forma tímida, ou simplesmente colocado na fila de espera dos planos de governo. Uma agenda sistêmica para a educação básica no Brasil passa por endereçar as especificidades, dificuldades e oportunidades dos anos finais do fundamental.

Um dos primeiros exercícios nesse sentido pode ser feito no campo das políticas e dos programas para recomposição de aprendizagem, urgentes para garantir o direito à aprendizagem de crianças e adolescentes que, no período de fechamento das escolas durante a pandemia, tiveram condições profundamente desiguais no acesso e na qualidade do ensino remoto.

Para metade dos que pensam em abandonar a escola, o principal motivo é a dificuldade de acompanhar as aulas, segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que escutou meninas e meninos a partir de 11 anos. Ao mesmo tempo, vale lembrar que o Conselho Nacional de Educação (CNE), a Frente Parlamentar, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) tiveram um papel fundamental durante a pandemia, mobilizando esforços e mitigando perdas ainda maiores num período em que faltou coordenação efetiva do governo federal.

Neste ano, milhões de estudantes começaram os anos finais do fundamental ainda com lacunas de aprendizagem vindas dos anos anteriores, em escolas municipais e estaduais que não são pensadas para acolher e engajar adolescentes. Análises do Censo Escolar longitudinal indicam que ao menos metade deles será vítima de reprovação, repetência ou abandono escolar antes de completarem o 9.º ano do fundamental, se nada for feito. Para estudantes pretos, o porcentual sobe para 60%. E essas são análises de antes da pandemia.

Sem uma política de recomposição de aprendizagens, pactuamos com um mecanismo perverso de exclusão ainda maior para os próximos anos. E, sem recursos efetivos para as escolas e os professores, não conseguiremos chegar a ambientes que, de fato, sejam atraentes e eficazes para a aprendizagem e a permanência de adolescentes.

Embora as redes públicas de ensino tenham contextos bem diversos, relevantes na arquitetura de qualquer transformação, já há estudos e experiências dentro e fora do Brasil que nos apontam para um conjunto de eixos estruturantes de políticas para os anos finais. Ao lado de uma política emergencial de estratégias de recomposição de aprendizagens, estão: uma proposta curricular pautada pela educação integral, a reorganização das escolas, estratégias específicas para estudantes e professores nos anos de transição (5.º e 6.º, 9.º e 1.º do ensino médio), adequação do volume e da qualidade do trabalho docente, seleção e formação de gestores escolares como lideranças pedagógicas no trabalho com adolescentes, maior integração entre escola-família-comunidade, fortalecimento do papel das escolas na Rede de Proteção da Criança e Adolescente e participação ativa dos estudantes no desenho e na avaliação das estratégias.

Melhorias significativas nos anos finais do ensino fundamental no Brasil também exigem um regime de colaboração mais fortalecido entre União, Estados e municípios, com maior coordenação da oferta, apoio técnico e recursos necessários.

Uma agenda sistêmica para a educação básica avança sem deixar na fila de espera os problemas – e potenciais – específicos de cada etapa de ensino. Tampouco foge de eixos estruturantes da gestão educacional. Aos novos governantes, neste momento de balanço de seus 100 dias, eis aqui uma grande oportunidade de avanço em termos de políticas e inovações, para que, por exemplo, cada e todo estudante de 11 anos no Brasil, esteja onde estiver, passe a ter muito mais motivo para se animar ao imaginar seus próximos quatro anos de adolescência e de escola.

*Originalmente publicado no O Estado de São Paulo no dia 18 de abril de 2023

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